O principal motivador, eu acredito, é a fusão da globalização com a revolução da tecnologia da informação. Ambas atingiram massa crítica na primeira década do século 21, resultando na democratização – ao mesmo tempo – de muitas coisas contra as quais nem Estados fracos e nem empresas fracas podem enfrentar. Nós vimos a democratização da informação, onde todos agora são editores; a democratização das guerras, onde os indivíduos se tornaram superempoderados (o suficiente, no caso da Al Qaeda, para enfrentar uma superpotência); a democratização da inovação, onde novas empresas estão usando programas gratuitos de código fonte aberto e “a nuvem” para enfrentar empresas globais.
E, finalmente, vimos o que Mark Mykleby, um coronel reformado do Corpo dos Marines e ex-conselheiro do chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, chama de “democratização das expectativas” – a expectativa de que todos os indivíduos devem poder participar da moldagem de sua própria carreira, cidadania e futuro, sem restrições.
Chamou-me a atenção quão semelhantes são os comentários russos a respeito do primeiro-ministro Vladimir Putin, que basicamente renomeou a si mesmo presidente, com os que ouvi no Egito sobre Hosni Mubarak, que repetidas vezes se renomeava presidente. O escritor egípcio Alaa al Aswany me disse que os egípcios se ressentiram da ideia de que Mubarak pretendia transferir o poder para seu filho, Gamal, como se os egípcios “fossem galinhas”, que simplesmente podiam ser entregues por um líder para seu filho. No domingo passado, um artigo no New York Times, em Moscou, citou o popular blogueiro russo preso, Aleksei Navalny, como tendo dito: “Nós não somos gado e nem escravos. Nós temos vozes, votos e poder para sustentá-los.”
“Os dias de comunicação unidirecional por parte dos principais países e empresas acabaram”, diz Dov Seidman, presidente-executivo da LRN e autor do livro Como – Por Que o Como Fazer Algo Significa Tudo. “O velho sistema de ‘comando e controle’ – usando cenouras e porretes – para exercer poder sobre as pessoas está sendo rapidamente substituído pelo ‘conexão e colaboração’ – para geração de poder por meio das pessoas.” Os líderes e gerentes não podem simplesmente impor sua vontade, acrescenta Seidman. “Agora é preciso manter um diálogo bidirecional para se conectar profundamente com seus cidadãos, clientes ou funcionários.”
A Netflix promoveu uma conversa unidirecional a respeito do aumento de preços com seus clientes, que instantaneamente se auto-organizaram. Cerca de 800 mil abandonaram os serviços da empresa e suas ações despencaram. O Bank of America promoveu uma conversa unidirecional sobre cobrar uma taxa de US$ 5 sobre os cartões de débito e seus clientes forçaram o banco global a reverter a ideia e pedir desculpas. Putin achou que tinha poder sobre o povo e que podia impor qualquer coisa que desejasse, mas agora está sendo forçado a participar de uma conversa para justificar sua permanência no poder.
A Coca-Cola mudou a embalagem de seu refrigerante principal para latas brancas durante as Festas. Mas o protesto de “blasfêmia” por parte dos consumidores forçou a Coca-Cola a voltar para as latas vermelhas em uma semana. No ano passado, a Gap descartou seu novo logo após uma semana de protestos online dos consumidores.
Muitos presidentes-executivos dirão que essa mudança os pegou de surpresa e que estão tendo dificuldade para se ajustarem às novas relações de poder com clientes e funcionários.
“À medida que o poder se desloca para os indivíduos”, argumenta Seidman, “a própria liderança deve mudar com ele – de uma liderança coerciva ou motivacional que usa cenouras ou porretes para obter desempenho e fidelidade da população, para uma liderança que inspire compromisso, inovação e esperança nas pessoas.” O papel do líder agora é obter o que de melhor está vindo de baixo para cima e então mesclá-lo com a visão de cima. Você está ouvindo, Putin?
Esse tipo de liderança é especialmente chave hoje, acrescenta Seidmanm, “quando as pessoas estão criando muita ‘liberdade’ das coisas – liberdade da opressão ou de qualquer sistema que esteja em seu caminho – mas ainda não adaptaram os valores ou construíram as estruturas institucionais que permitem a ‘liberdade para’ – liberdade para construir uma carreira, um negócio ou uma vida significativa”.
É possível ver isso vividamente no Egito, onde o movimento democrático de baixo para cima foi forte o suficiente para derrubar Mubarak, mas agora enfrenta o processo árduo e longo de construção de novas instituições e redação do novo contrato social, a partir de uma coalizão democrática que abrange a Irmandade Muçulmana, os liberais cristãos, os liberais muçulmanos, o Exército e os muçulmanos salafistas ultraconservadores.
Recolocar todos esses peixes de volta no aquário, nadando juntos, não será tarefa fácil. É uma tarefa que exigirá um líder muito corajoso e especial.Procura-se ajuda.
Mulher é atacada por policiais egípcios durante manifestação |
(UOL Notícias)
Nota: Como nunca antes na história, o coletivismo será a palavra de ordem. O bem da maioria será defendido com unhas e dentes, nas ruas, com ou sem apelação (como as manifestações envolvendo nudismo). As pessoas parecem fartas de autoritarismo e desigualdades – e não é pra menos. À primeira vista, esses ventos parecem favoráveis, mas o que dizer de algumas minorias discordantes? Elas não discordam necessariamente dos fins (liberdade, democracia, etc.), mas dos métodos e planos para se chegar a esses fins, já que poderão violar-lhes a consciência – especialmente a religiosa. O que acontecerá quando surgir uma “liderança que inspire compromisso, inovação e esperança nas pessoas”? Se a força não mais arrebanha o povo (ou o obriga a obedecer), o poder da informação e do convencimento fará isso. Mandará quem tiver esse poder. Quem será o tal líder “muito corajoso e especial”? Logo ele mostrará a cara.[MB]
Leia também em Michelson Borges: “O pior ainda pode estar por vir” e “Mundo arrisca repetição da depressão dos anos 30”
Mais: não vai longe o tempo em que teremos um pensamento hegemônico (confira)