quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Mundo pós-americano? Nem tanto

Apesar de parecer que Obama está fazendo a transição dos EUA para uma nova realidade multipolar, modelos supostamente superiores ainda não são páreo para a potência americana

Em uma crítica ferina a Mitt Romney, no início do mês, Fareed Zakaria elogiou Barack Obama por sua compreensão nuançada do que Zakaria chamou de "mundo pós-americano":

"Este é um novo mundo, muito diferente do mundo 'americano-cêntrico' com o qual nos habituamos na última geração. Obama conseguiu preservar, e aumentar até, a influência dos Estados Unidos neste mundo precisamente porque reconheceu essas novas forças em ação. Ele viajou para nações emergentes e falou com admiração de sua ascensão. Ele substituiu o velho clube ocidental e fez do Grupo dos 20 o fórum central das tomadas de decisões para os assuntos econômicos globais. Com a ênfase em organizações multilaterais, estruturas de alianças e legitimidade internacional, ele obteve resultados. Foi a cooperação chinesa e russa que permitiu sanções mais duras contra o Irã. Foi o pedido formal da Liga Árabe, no ano passado, que tornou incontroversa a intervenção ocidental na Líbia. Em geral, o senhor ridicularizou essa abordagem da política externa argumentando que, em vez disso, expandiria as forças militares, agiria unilateralmente e não falaria apologeticamente. Isso pode agradar aos eleitores das primárias republicanas, mas as bravatas triunfalistas não o ajudarão a garantir os interesses ou os ideais americanos em um mundo habitado por novos líderes poderosos."
(...)
Faz muito tempo que ouvimos pela primeira vez as conversas pós-americanistas da moda. Modelos supostamente superiores na Alemanha nazista e no Japão imperial empolgavam as multidões e produziam armas modernas bem mais que a América da Grande Depressão. Depois, os "declinistas" nos advertiram sobre a União Soviética comunista ascendente, que invadia o Leste Europeu e a Ásia, e cujos mísseis subiam, diferentemente dos nossos, que explodiam na plataforma de lançamento. Depois foi a vez do Japão & Cia, nos anos 70, que ia se apossar de nossos campos de golfe, enquanto a nós caberia aparar seus gramados. Depois, no fim dos anos 90, foi a vez da União Europeia utópica, que lembrou os americanos do desperdício que era o orçamento militar e como era tola a desconfiança do aquecimento global causado pelo homem. Agora, o fato de que a China possui um trem-bala e os EUA não, supostamente deve convencer os americanos de que meio bilhão de chineses que nunca foram a um médico ao estilo ocidental e a paisagem industrial chinesa parecida com a área em torno do Lago Erie por volta de 1920 simplesmente não importam.

Mas será que devemos considerar a mais recente tendência a advertências enganosas? Os pós-americanos com certeza meteram-se numa arapuca financeira ao tomar emprestados US$ 12 trilhões adicionais de 2000 para cá. Se Obama for reeleito, o país terminará sua presidência com mais dinheiro emprestado do que todos os presidentes anteriores juntos. Os EUA incorrem em déficits comerciais crônicos e terceirizaram milhões de empregos no exterior. O desemprego permanece alto, o crescimento econômico, moroso.

Concessões federais para a exploração de petróleo são canceladas e oleodutos não são construídos. Os EUA não pacificaram o Iraque rapidamente, e continuam atolados no Afeganistão.

Mas isso tudo não significa um mundo pós-americano. Por quase todos os padrões históricos para avaliar civilizações, o século 21 parece muito mais brilhante para os EUA do que para seus rivais. O crescimento da população americana é robusto. Estamos aumentando diariamente nossas reservas conhecidas de combustíveis fósseis; as da Europa e da China estão em declínio. Copiar e rivalizar com a economia de livre mercado dos EUA são realizações impressionantes da China, mas dificilmente provam que a China pode imitar, da mesma maneira, nossa Constituição, inclusão racial, transparência ou dinamismo cultural. A despeito de toda conversa sobre a pós-America, não devemos esquecer que um americano ainda produz, em média, três vezes mais bens e serviços do que três chineses.

A Constituição americana facilita o intercâmbio econômico; a Rússia e a China pós-comunistas ainda não conseguem fazer a quadratura do círculo de governo autoritário e mercados livres. Em sua pior crise financeira nos últimos 80 anos, os EUA mesmo assim se mostraram mais robustos e estáveis que a União Europeia, que está prestes a se tornar pós. A Índia ainda é tolhida por problemas de casta, a Europa por fronteiras de classe, China, Japão e Coreia do Sul por fortes distinções raciais, e o mundo árabe por fidelidades tribais insidiosas.

A ideia de um presidente Obama brasileiro ou chinês é fantasiosa. Todos esses estereótipos parecem muito pós-alguma-coisa. Entre as grandes potências, os EUA são, ao contrário, uma sociedade aberta multirracial unida por uma cultura, onde o mérito, mais que raça, tribo, nascimento ou classe, determina o sucesso.

Quando os pós-americanos falam cretinamente sobre reduzir as forças militares, ainda deveríamos nos lembrar de que todas as outras forças-tarefa navais combinadas do mundo não terão, durante décadas, o poder de uma única das 11 dos EUA. A China enfrenta tumultos; a Rússia enfrenta tumultos; a Europa enfrenta tumultos; o mundo árabe é um grande tumulto ultimamente. Os EUA têm alguns carnavais de rua balbuciantes do Ocupe Wall Street.
(...)

A ONU também não oferece esperança de substituir a influência americana. Na Líbia, os EUA bravatearam que obtiveram aprovação da ONU para uma zona de exclusão aérea e ajuda humanitária, mas depois tiveram que violar essas resoluções para se unir a seus aliados da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) no bombardeio às forças de Muamar Kadafi. A possibilidade de o Irã criar uma bomba nuclear, ou a Coreia do Norte usar uma delas contra Coreia do Sul ou Japão, não vai depender do Conselho de Segurança da ONU, ou da dissuasão chinesa; vai depender do medo desses Estados renegados de uma resposta dos EUA. De novo, no pé em que estão as coisas na Síria, a ONU é irrelevante.

Evidentemente, os EUA deveriam trabalhar com seus aliados. Eles devem ser um bom cidadão internacional e, onde for possível, abraçar a cooperação internacional.

(...)No século 21, em comparação com as alternativas, o mais provável é estarmos numa era pré-americana do que pós-americana.

Fonte - Estadão

Nota DDP: Como se há de perceber, os EUA estão muito longe de perder sua supremacia, sobretudo militar, que lhes permite cumprirem seu papel profético esperado.
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