Apoio e admiração totais
Hoje pela manhã, o papa Francisco saudou seus mais de seis milhões de seguidores no Twitter com a seguinte conclamação: “Convido a todos para fazer uma pausa para pensar sobre os desafios que enfrentamos em relação aos cuidados com a nossa casa comum.” Pouco mais de uma hora depois, outro tweet foi divulgado: “A cultura do descartável de hoje apela a um novo estilo de vida.” Sempre com a hashtag #LaudatoSi, que, na verdade, é o título da encíclica que o Vaticano divulgará oficialmente hoje. Conforme destacaram Bruno Calixto e Marina Ribeiro, em artigo publicado ontem no site da revista Época, hoje um bispo católico, um ortodoxo e um cientista ateu sentarão juntos na Sala do Sínodo, no Vaticano, e apresentarão aos jornalistas a primeira encíclica escrita exclusivamente pelo papa Francisco. “A escolha das pessoas que apresentarão o documento não é aleatória. O papa quer que sua encíclica – uma carta de ensinamento aos católicos – ultrapasse as fronteiras do catolicismo, chegue às ‘pessoas de boa vontade’ e influencie as decisões internacionais sobre o meio ambiente e o clima. A encíclica de Francisco, que empresta do Cântico das Criaturas de São Francisco de Assis seu título Laudato Si (‘Louvado sejas’, em português), fala especificamente sobre o impacto do homem no meio ambiente – ou na ‘Criação’ – e mostra como os homens podem viver em harmonia com a natureza, de acordo com a moral e a ética da Igreja.”
Obviamente que é louvável a iniciativa de um líder religioso como o papa de encabeçar um movimento ecológico com o objetivo de proteger a Terra da degradação que ela vem sofrendo ao longo dos anos. É evidente que os religiosos podem e devem dar sua parcela de contribuição para criar uma mentalidade de cuidado com a criação de Deus. O problema são as motivações, os argumentos, os objetivos e os erros por trás de todo esse discurso ecológico.
Não quero aqui me deter na ideia de que o ser humano seja o verdadeiro culpado pelo aquecimento global. Há cientistas que, embora não neguem esse aquecimento, não creem que a causa dele seja antropogênica. Poderíamos estar atravessando um novo ciclo de calor; a causa poderia ser outra, como a atividade solar; ou mesmo, como escreveu Ellen White, no livro O Grande Conflito, páginas 589 e 590: “[Satanás] estudou os segredos dos laboratórios da natureza, e emprega todo o seu poder para dirigir os elementos tanto quanto o permite Deus. [...] Nos acidentes e calamidades no mar e em terra, nos grandes incêndios, nos violentos furacões e terríveis saraivadas, nas tempestades, inundações, ciclones, ressacas e terremotos, em toda parte e sob milhares de formas, Satanás está exercendo o seu poder. [...] Essas visitações devem se tornar mais e mais frequentes e desastrosas. [...] E então o grande enganador persuadirá as pessoas de que os que servem a Deus estão motivando esses males. [...] Será declarado que os homens estão ofendendo a Deus pela violação do descanso dominical; que esse pecado acarretou calamidades que não cessarão antes que a observância do domingo seja estritamente imposta.”
E é exatamente sobre isso que eu quero falar aqui. Quero me deter num erro típico do romanismo, presente na encíclica Laudato Si: o erro de confundir deliberadamente o sábado com o domingo.
No capítulo II, seção 71 (a encíclica está disponível aqui), referindo-se à destruição do mundo por um dilúvio no tempo de Noé e sua posterior restauração, Francisco escreveu: “A tradição bíblica estabelece claramente que esta reabilitação implica a redescoberta e o respeito dos ritmos inscritos na natureza pela mão do Criador. Isto está patente, por exemplo, na lei do Shabbath. No sétimo dia, Deus descansou de todas as suas obras. Deus ordenou a Israel que cada sétimo dia devia ser celebrado como um dia de descanso, um Shabbath (cf. Gn 2, 2-3; Ex 16, 23; 20, 10).”
É bom deixar claro logo de início que, ao contrário do que afirma o papa, o sábado não foi dado a Israel apenas. Na verdade, o sábado foi dado à humanidade, no Éden, quando havia apenas um casal sobre a Terra (Gn 2:2, 3), e Jesus confirma isso ao dizer que o “sábado foi feito por causa do homem” (Mc 2:27), não do judeu ou de qualquer outro povo.
Embora cite o mandamento do sábado conforme está na Bíblia, no capítulo VI, seção 237 da encíclica, Francisco se permite reinterpretar o mandamento:
“A participação na Eucaristia é especialmente importante ao domingo. Este dia, à semelhança do sábado judaico, é-nos oferecido como dia de cura das relações do ser humano com Deus, consigo mesmo, com os outros e com o mundo. O domingo é o dia da Ressurreição, o ‘primeiro dia’ da nova criação, que tem as suas primícias na humanidade ressuscitada do Senhor, garantia da transfiguração final de toda a realidade criada. Além disso, este dia anuncia ‘o descanso eterno do homem, em Deus’. Assim, a espiritualidade cristã integra o valor do repouso e da festa. [...] A lei do repouso semanal impunha abster-se do trabalho no sétimo dia, ‘para que descansem o teu boi e o teu jumento e tomem fôlego o filho da tua serva e o estrangeiro residente’ (Ex 23, 12). O repouso é uma ampliação do olhar, que permite voltar a reconhecer os direitos dos outros. Assim o dia de descanso, cujo centro é a Eucaristia, difunde a sua luz sobre a semana inteira e encoraja-nos a assumir o cuidado da natureza e dos pobres.”
Conforme observou Filipe Reis, de Portugal, “não precisamos de muito esforço para perceber que o papa confunde o Shabbat bíblico do sétimo dia com o domingo, primeiro dia da semana, atribuindo a este a importância e solenidade que, biblicamente, apenas o sábado do sétimo dia possui. Ou seja, a validade do sábado do sétimo dia parece ter sido mudada para o domingo, primeiro dia da semana”.
Curiosa e e contraditoriamente, na secção 68 do capítulo II, Francisco escreve, citando os Salmos:
“‘Ele [ndr: Deus] deu uma ordem e tudo foi criado; Ele fixou tudo pelos séculos sem fim e estabeleceu leis a que não se pode fugir!’ (Sl 148, 5b-6).” O papa está correto aqui. Não podemos fugir das leis de Deus, muito menos alterá-las. O sábado faz parte dessa lei e é tão eterno que continuará sendo observado na Nova Terra (Is 66:23). Daniel 7:25, escrito cerca de 500 anos antes de Cristo, previu que no futuro haveria um poder religioso que se atreveria a mudar os tempos e a lei de Deus. A profecia, pra variar, estava corretíssima...
Em seu artigo na revista Época, Bruno Calixto e Marina Ribeiro captaram com precisão a intenção do papa com essa encíclica: “Francisco escolheu com cuidado o momento da publicação e de seu ativismo ambiental. Em setembro, a Assembleia Geral da ONU se reunirá para aprovar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Ele pessoalmente discursará em Nova York. Depois, em novembro, haverá a Conferência do Clima em Paris, onde se espera que governos assinem um acordo global contra as mudanças climáticas. Segundo o secretário-geral do WWF-Brasil, Carlos Nomoto, o papa poderá desempenhar um papel importante nessas reuniões internacionais, aumentando a pressão para que governos enfim assumam compromissos nas negociações climáticas.”
Para Eduardo Felipe Matias, autor de A Humanidade Contra as Cordas: A luta da sociedade global pela sustentabilidade, as questões ambientais exigem a mobilização de todos os atores da sociedade, não apenas governos (num programa da rádio CBN, dois jornalistas também falam sobre isso). “Os efeitos que a encíclica papal pode ter sobre a comunidade internacional e sobre os católicos seriam ampliados se outras instituições religiosas se somassem a esse esforço. Não iremos alcançar um mundo mais sustentável sem mudar radicalmente a mentalidade das pessoas, e as diferentes religiões podem contribuir para essa mudança”, diz.
Felipe resume bem um assunto sobre o qual tenho falado em meu blog há quase dez anos: o ECOmenismo. Trata-se de um movimento de união de esforços que extrapola os limites das religiões e tem o potencial de coligar religiosos, místicos, cientistas, ativistas, ateus e outros grupos.
Estamos vivendo dias solenes. Deus nos ajude a estar firmados na verdade bíblica, cumprindo nosso papel, assim como o papa e outros estão cumprindo o deles.
Fonte - Michelson Borges