A democracia é uma das mais belas invenções da sociedade moderna. Não é algo completamente novo, com suas raízes encravadas na Grécia Antiga, nem nasceu de repente, resultado de um longo processo social que ocorreu na Europa entre os séculos 18I e 20.
A democracia transformou-se, juntamente com a produção capitalista, no projeto europeu da modernidade, que se disseminou no mundo de maneira desigual. O capitalismo vingou um pouco em toda parte, a democracia encontrou mais resistências. A novidade é que essas resistências parecem crescer hoje em dia. Esse foi um dos temas abordados pela Université Internationale d´Été, em evento que teve lugar em Poitiers, entre 27 e 30 de novembro de 2010, no Espace Mendès France, e que terá sequência agora em junho de 2011, em Dijon.
A grande pergunta que surgiu naquele seminario foi: a democracia conseguirá sobreviver ao século 21? Os cinco principais argumentos que fundamentam a pergunta e alimentam a desconfiança quanto a uma resposta positivia e inequívoca estão relacionados nos parágrafos seguintes.
Primeiro, a capacidade de representação e funcionalidade do espaço político democrático declina. As suas instituições e atores, como os partidos políticos e os governos, não são capazes de responder às demandas de seus povos. Aos poucos, as pessoas se afastam da política, não se reconhecem nos políticos e abominam os governantes. A apatia política se alastra na Europa e nas Américas. No Brasil por ocasião das eleições de 3 de outubro, metade da população declarou que vota apenas porque o voto é obrigatório.
Segundo argumento: diversos povos e culturas do Sul têm enormes dificuldades de se reger sob o regime democrático. O mundo islâmico parece-lhe impenetrável. Com algumas exceções, como a Índia e o Japão, a democracia é uma estranha na Ásia, e igualmente na África, onde ela morre e renasce constantemente. Tem dificuldades também de se consolidar no continente americano. A resistência advém, em geral, de traços culturais de povos nativos que compreendem os processos decisórios, de representação e participação, de maneira distinta.
Em terceiro lugar, há um claro deslocamento, nos países sob regime democrático, do processo decisório do espaço público para o espaço privado. Cada vez mais as verdadeiras decisões residem nas direções das empresas multinacionais que controlam governos, organismos multilaterais e a mídia. As ações no espaço público da política tornam-se cada vez mais ritualísticas, despidas de sentido e eficácia.
Quarto ponto: o espaço da política deixa gradativamente de ser o espaço originário das mudanças sociais. Todo o século 20 foi regido pelas mudanças provocadas pelo (e no) espaço da política, opondo-se ou afirmando a democracia, desde a revolução russa, passando pelo nazismo e a vitória dos aliados em 1945, até as independências africanas nos anos 1960. Esse período encerra-se em 1989 com a queda do muro de Berlim, último acontecimento político de monta do século 20. Desde então, é o espaço das inovações tecnológicas a origem das mudanças sociais — ele cria uma nova noção de tempo e espaço, introduz novos valores e desfaz antigos.
Finalmente, a crise ambiental suscita dúvidas sobre a capacidade de os regimes democráticos implantarem políticas consistentes para enfrentar os riscos das mudanças climáticas. Opinião de um número crescente de intelectuais, entre os quais Hans Jonas e David Shearman. A razão central parece residir no antagonismo entre a temporalidade da dinâmica política e da ambiental. Uma funciona com um parâmetro de meses e a outra de décadas. Uma asseguraria a liberdade e a outra a sobrevivência. Entre as duas opções parece não existir dúvidas quando, tornando-se excludentes, os homens tiverem que optar.
Esses processos, que ocorrem desigualmente nos diversos países, se articularão com força suficiente para extinguir a democracia? E o que poderá vir em seu lugar, caso isso ocorra?
Fonte - Defesanet