Inimigo escolhido a dedo
Na missa desta sexta-feira, 31, o papa Francisco se concentrou na diferenciação entre os cristãos tão apegados à lei a ponto de negligenciar a justiça e os cristãos ligados ao amor que dão pleno cumprimento à lei. No evangelho do dia, Jesus pergunta aos fariseus se é lícito ou não curar no sábado, mas eles não respondem. Ele, então, curou um doente. Francisco explicou que os fariseus, diante da verdade, ficavam em silêncio, mas depois falavam pelas costas e procuravam fazer Jesus cair. O papa explicou que Jesus repreendia essas pessoas que eram tão apegadas à lei que tinham esquecido a justiça e negavam até ajuda aos pais idosos com a desculpa de ter dado tudo ao templo. Mas o que é mais importante, perguntou o papa: o quarto mandamento ou o templo?
“Esse caminho de viver apegado à lei os afastava do amor e da justiça. Protegiam a lei, negligenciavam a justiça. Protegiam a lei, negligenciavam o amor. Eram modelos, eram os modelos. E para essas pessoas Jesus encontra somente uma palavra: hipócritas […] Homens de fechamento, homens apegados à lei, ao pé da letra da lei, não à lei, porque a lei é amor.”
Citando a Carta de São Paulo aos Filipenses, Francisco explicou que o caminho para ser fiel à lei, sem negligenciar a justiça e o amor, é o caminho inverso: do amor à integridade, do amor ao discernimento, do amor à lei. “Esse é o caminho que Jesus nos ensina, totalmente oposto àquele dos doutores da lei. E esse caminho do amor à justiça leva a Deus. Em vez disso, o outro caminho, de ser apegado somente à lei, ao pé da letra da lei, leva ao fechamento, leva ao egoísmo. O caminho que vai do amor ao conhecimento e ao discernimento, ao pleno cumprimento, leva à santidade, à salvação, ao encontro com Jesus. Em vez disso, o outro caminho leva ao egoísmo, à soberba de sentir-se justo, àquela santidade entre vírgulas, das aparências”.
Com pequenos gestos, Jesus faz entender esse caminho do amor ao pleno conhecimento e discernimento, disse o papa. Jesus Se aproxima e essa proximidade é justamente a prova de que o homem está no caminho certo.
“A carne de Jesus é a ponte que nos aproxima de Deus… não é o pé da letra da lei, não! Na carne de Cristo a lei tem o pleno cumprimento e é uma carne que sabe sofrer, que deu a sua vida por nós. Que esses exemplos, este exemplo de proximidade de Jesus, do amor à plenitude da lei, nos ajudem a nunca deslizar na hipocrisia; nunca. É tão ruim um cristão hipócrita. Tão ruim. Que o Senhor nos salve disso!”
(Canção Nova)
Nota Criacionismo: De certa forma, Francisco está certo. O legalismo realmente é uma doença destruidora da verdadeira religião. Mas, do jeito que ele fala, fica a impressão de que amor e obediência à lei de Deus são aspectos antagônicos, contraditórios. Jesus disse: “Se Me amais, guardareis os Meus mandamentos” (João 14:15). Amor + obediência e não amor versusobediência. O amor nos leva a obedecer à lei de Deus. E essa obediência tem que ser no espírito (amor) e na letra (estipulações divinas quanto à maneira de amar ao Criador e ao nosso próximo). O amor sem a obediência é sentimentalismo vazio e desorientado; a obediência sem amor é fria e sem sentido. O papa já condenou os fundamentalistas (confira/relembre aqui), ou seja, aqueles que leem o Gênesis “ao pé da letra”. Agora volta a condenar cristãos que procuram seguir a Bíblia “ao pé da letra”, ou seja, que procuram guardar todos os dez mandamentos. É bom deixar claro que Jesus não chamou os fariseus de hipócritas pelo fato de guardarem a lei ou o sábado. Jesus mesmo guardava o sábado (Lc 4:16), afinal, foi Ele quem criou o sábado no fim da semana da criação (Gn 1 e 2) - mas o papa não é criacionista e, portanto, não tem realmente motivos para guardar o sábado… Bem, Jesus condenou os fariseus pela hipocrisia de se atreverem a condená-Lo por não guardar o sábado como eles achavam que deveria ser guardado, enquanto alimentavam no coração pensamentos assassinos a Seu respeito. Isso é hipocrisia. É mais ou menos como um guardador do sábado que vivesse em adultério; ou como um mentiroso que não adora imagens. Me parece que nesse sermão Francisco mais uma vez escolheu a dedo os destinatários de suas críticas.