Segundo a Secretaria de Direitos Humanos, o programa tem por objetivo “coletar dados e identificar redes que se reúnem para proferir ofensas a determinados grupos de pessoas, como mulheres, negros e nordestinos”. O software deverá recolher em redes como Facebook, Twitter e Instagram postagens públicas de ódio que depois serão reunidas em uma página web para que as autoridades possam tomar providências. O programa deve ser lançado em outubro.
Alguns ativistas da área de tecnologia consideraram que o programa pode violar a privacidade dos usuários, por se tratar de monitoramento massivo indiscriminado, sem suspeita individualizada fundada.
Para o professor Fabio Malini, coordenador do desenvolvimento do software, o recolhimento dessas informações não viola a privacidade dos usuários porque, segundo ele, a postagem pública “está relacionada a uma decisão individual de tornar uma informação liberada para todos.” Assim, quem escreveu publicamente numa rede social optou por tirar o pensamento da esfera privada e torná-lo público. Ele acredita que “o ato de publicar demarca o intuito deliberado de objetivar a produção de influência, de juízo, e de gosto para todos na sociedade.” Dessa maneira, diz, “as redes sociais funcionariam como os jornais, mas sem intermediários”.
No entanto, não há consenso entre os ativistas digitais de que tudo o que é publicado nas redes sociais deve estar sujeito ao olhar do Estado.
Para o ativista Pedro Markun, do grupo Transparência Hacker, não se pode pressupor que o cidadão tem consciência de que o que ele está publicando na rede é público, assim como não se pode considerar público algo que é dito por alguém, apenas por estar na rua. “A publicidade de algo dito ao vento e que logo desaparece”, diz, “é diferente da publicidade da rede social – ainda mais quando você está propondo um mecanismo automatizado e massivo de coleta e análise dessas falas”. Para ele, a proposta de monitorar as redes seria o equivalente a viver em uma sociedade em que todas as ruas são vigiadas por câmeras e “tudo que você diz não é apenas gravado, mas analisado em tempo real na busca de indicativos estatísticos de crime de ódio”.
Opinião semelhante tem a pesquisadora e consultora em direitos digitais, Joana Varon. Ela acredita que qualquer monitoramento de rede tem de ser justificado, para fins específicos, com alvos claros e mediante ordem judicial. “Monitoramento e vigilância massivos são um atentado contra direitos fundamentais, como o direito à privacidade e à liberdade de expressão”. Ela considera “perigoso quando a lógica inversa passa a prevalecer, ou seja, a vigilância passa a ser justificada como medida necessária para a defesa de direitos humanos”.
Varon lembra ainda as revelações de Edward Snowden sobre as práticas de vigilância em massa que evidenciaram que não eram apenas suspeitos de redes terroristas que tinham suas informações e comunicações mapeadas. Assim, pondera que “vigilância sempre pede mais vigilância” e, acrescenta, “onde iremos traçar o limite de forma a resguardar direitos?”
Os questionamentos sobre os limites entre público e privado, suscitados pelo anúncio do desenvolvimento do software, reacendem um debate fundamental sobre as complexas interações entre o direito à privacidade e a proteção aos direitos humanos.