quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

2011: o euro, Obama e a ameaça dos dominós

Se T. S. Elliot tiver razão, o tempo presente e o tempo passado estão ambos presentes no tempo futuro. Por isso, antever 2011 começa na análise do legado do ano inesperado que foi 2010.

O ano de 2011 deverá responder a duas grandes incógnitas do mundo ocidental: a sorte do euro (e, portanto, dos europeus e dos portugueses) e o futuro do Presidente Barack Obama ou, mais precisamente, da política norte-americana.

O Outono trouxe uma surpresa alarmante: um país do euro pode falir, o euro pode morrer e, inclusive, matar “a Europa”. O colapso ou a reemergência verificar-se-ão em 2011. Se houver “apenas” meio desastre, com a saída de dois ou três países da moeda, será uma catástrofe económica para esses “periféricos”: estão em jogo os empregos, os salários, as pensões de reforma, as poupanças, as prestações sociais. É um cenário por enquanto improvável.

Depois da derrota democrata nas intercalares de Novembro e da tempestade do Tea Party, os EUA debatem-se entre uma política de adaptação à nova ordem mundial e fecharem-se no seu “excepcionalismo”, oscilando entre isolacionismo e nostalgia da era imperial.

A precipitação da crise das dívidas soberanas na Europa deve-se ao “tornado” da crise financeira americana. Os Estados foram forçados a uma custosa operação de defesa dos seus bancos. Mas o choque é desigual: as economias “sãs” resistem, as vulneráveis estão à beira do abismo.

É um vasto jogo de dominós que pode não ficar apenas pela Europa. Os analistas americanos temem o contágio: “A crise da dívida soberana que agita a zona euro pode atravessar o Atlântico” e anular a recuperação económica americana.

A ressaca não se limita à economia. A crise começa no sistema financeiro, torna-se económica, social e, finalmente, política — na Europa e nos Estados Unidos.

Há sintomas de erupção social. Nos EUA, há o Tea Party. Na Europa, há motins de estudantes e greves contra os planos de austeridade. A ressaca pode também arrastar “pestes” — xenofobia, nacionalismos, populismos. O “estado a que isto chegou” desacredita os governos, mas a luta contra o défice, o corte da despesa pública e a ameaça ao welfare state criam uma percepção de impotência política e de descrédito do próprio Estado.

Jacques Delors, antigo presidente da Comissão Europeia, avisa: “A política deve ser a referência última. Recuso que os banqueiros façam tremer os governos da zona euro.” O antigo chanceler alemão Helmut Schmidt corrobora: “À Europa faltam dirigentes.”

Não é apenas isto. Houve uma viragem importante a seguir à criação do euro, quando Jacques Chirac e Gerhard Schroeder decidiram esvaziar o papel da Comissão Europeia. Optaram pela liberdade de acção dos seus países. O processo de decisão é cada vez mais intergovernamental.

A questão de fundo é ainda outra. “Até que ponto é europeia a nova Alemanha?” — interroga-se Ulrike Guérot, do European Council on Foreign Relations. “O futuro não está escrito. A Alemanha deve decidir se quer abandonar a União Europeia e tornar-se sozinha num actor mundial, ou se quer tornar-se no principal actor — e principal beneficiário — de uma Europa em que ela liderará na sua transformação em actor mundial.”

É esta segunda vocação que Berlim escolherá, mas tentando impor as suas regras.
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Fonte - Público
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