Agora volte ao presente e imagine a seguinte situação: Um colegiado internacional de pesquisadores, chamado IPCC, produz uma série de relatórios científicos alertando que, nas próximas décadas, se nada for feito para controlar as emissões de gases do efeito-estufa, a temperatura média do planeta continuará a subir; as geleiras das montanhas e o gelo das calotas polares continuarão a derreter; o nível do mar poderá subir até vários metros, alagando milhares de cidades costeiras, causando prejuízos bilionários e deslocando milhões de pessoas ao redor do mundo; a água dos oceanos se tornará mais ácida, com enormes impactos para a biodiversidade marinha; eventos climáticos extremos (tipo ondas de calor, nevascas, tempestades e secas, como a que assola São Paulo neste momento) se tornarão mais frequentes por todo o planeta e o regime de chuvas será profundamente alterado em várias partes do mundo, com impactos potencialmente desastrosos para a agricultura, principalmente nas regiões mais pobres, etc, etc etc … Você acredita? Seria mesmo possível tamanha calamidade global?
Nem precisa perder muito tempo imaginando. Essas previsões são 100% reais, cientificamente embasadas, e muitas dessas perturbações climáticas já estão acontecendo bem diante dos nossos olhos. Muitas vezes é difícil percebê-las como um fenômeno sistemático, pois elas ocorrem de maneira espalhada no tempo e no espaço, ao redor do mundo. Uma inundação ali, uma seca aqui, uma onda de calor mais acolá … e assim a humanidade segue em frente, sobrevivendo e lidando com cada um desses eventos isoladamente, como se fossem apenas mais um ponto fora da curva e tudo fosse voltar ao normal no ano seguinte.
Pode ser que volte mesmo, pois há muita variabilidade natural no clima. Mas também pode ser que não. Cada vez mais, as previsão do IPCC, muitas vezes chamadas de “exageradas”, parecem bater à nossa porta, apontar o dedo para nossa cara, e dizer: “eu avisei!”.
A maneira um tanto bizarra e calamitosa como o clima vem se comportando no Brasil recentemente se encaixa como uma luva no roteiro de mudanças previstas pelos cientistas nacionais para as próximas décadas — com seus efeitos exacerbados pela degradação dos ecossistemas naturais, pelo desmatamento, pela ocupação desordenada do solo e pelo descaso dos governantes com as questões ambientais mais básicas, como a gestão dos recursos hídricos dos quais dependemos para a nossa qualidade de vida e sobrevivência.
Não que a seca do Cantareira seja culpa do aquecimento global. De maneira nenhuma. Ela é resultado de uma combinação de fatores climáticos e humanos, que se somaram em condições extremas para produzir um resultado desastroso. O problema é que essa combinação desastrosa de transformações climáticas com a inércia da incompetência humana vai se tornar cada vez mais frequente, se não nos prepararmos adequadamente para os outros 5 bilhões de seres humanos e as mudanças climáticas ainda mais acentuadas que estão por vir.
Para aqueles que ainda têm alguma dúvida se a mudança climática é um problema real, ou sobre o impacto desastroso que ela poderá ter sobre as nossas vidas, basta olhar para o volume morto do Cantareira ou para o leito seco e empoeirado do Rio São Francisco em Minas Gerais — como mostrou reportagem do Estadão neste domingo — para procurar respostas.
A grande pergunta que está atolada no fundo do poço é a seguinte: Vamos pagar pra ver se vai chover, como fez irresponsavelmente o governo de São Paulo, esperar a água do mar bater nas nossas canelas e engolir o calçadão de Copacabana para levar o aquecimento global a sério? Ou vamos começar a nos mexer agora, para não pagar uma conta ainda maior no futuro? O IPCC pode estar em errado em um monte de coisas, mas se estiver correto em metade delas, já estamos em apuros.
Alguém avise ao Sr. Luiz Pereira, da foto, que a solução, infelizmente, não vai cair do céu.