As manchetes que vemos diariamente estampadas na mídia sobre o desejo de democracia nos países árabes, particularmente, esconde um “megamonstro” que está por detrás: a fome. Com os preços dos alimentos na estratosfera a nível global, estas manifestações são a ponta de um iceberg, que está se aflorando de maneira inusitada e dramática.
O grande risco que se corre é quando países (especialmente os ricos), mesmo com toda a doutrina da comercialização global, começarem a restringir as exportações de produtos agrícolas, especialmente o trigo, no sentido de se protegerem de algum sinal sinistro da fome. Este movimento de proteção está se observando desde meados de 2010.
A falácia do mercado livre para os alimentos não funciona, não permite a redução da fome no mundo. Há uma necessidade urgente de um mecanismo internacional de regulação de todo o setor agrícola. Nesta perspectiva, a FAO, que poderia ser este mecanismo, está perdendo espaço pelas forças poderosas da chamada Organização Mundial do Comércio (OMC), cujo objetivo é estimular as relações comerciais entre os países. Neste contexto sentimos o embate entre a ideologia da solidariedade com ideologia da competitividade.
As guerras do futuro serão “guerras por comodities”, particularmente as ligadas ao setor agrícola como alimentos, quando chineses e indianos juntos, com uma população de um terço da humanidade, agora com um nível de vida mais razoável, começarem a consumir outro tanto de recursos do que todo o mundo ocidental já consome.
Com todas as oscilações climáticas ocasionadas pelo desequilíbrio ambiental mundial, a produção agrícola ainda não tem sofrido maiores consequências significativas na produção global. O que mais assusta são as oscilações de mercado. A primeira pertence à mãe natureza, que está clamando por socorro pela voragem do homem gafanhoto e pela destruição descontrolada dos ecossistemas. Mas a segunda é o desejo insano de poder, mascarado numa política neoliberal que em nada beneficia a sociedade permitindo uma acumulação e concentração de riquezas por grupos de interesse, onde milhões terão que sofrer de fome pela má sorte, por não ter nascido em países de maiores recursos.
Avançando nosso raciocínio, na premissa econômica em que tudo que se torna escasso passa para a cartilha do mercado, em breve a água será mais um passo para domínio e poder. Segundo alguns gurus sinistros de plantão, a água deverá ser o próximo estopim de uma guerra generalizada (talvez a última), neste mundo insano da competição. Sendo a água um gênero de necessidade vital e universal, se for aplicada a lógica da escassez como uma oportunidade de comércio e não na solidariedade de sua distribuição, então chegaremos ao fim da civilização. Dentro deste contexto, ao invés de dinheiro que fazemos com nossas economias para futuras necessidades e dificuldades, a água será utilizada como uma “conta bancária”. Fazendo um exercício de imaginação, haverá “bancos” de água onde se terá uma “conta corrente” de tantos litros de água potável, que poderá ser transferida, à nossa moda atual, pela simples transferência eletrônica porque cheque não haverá mais, haverá muito calote neste desespero.
Assim, o grande perigo prenunciado por Malthus diante deste desequilíbrio da superpopulação, - preferimos dizer destruição do meio ambiente - a fome seria um regulador demográfico pela morte de milhões, ou a guerra que também trará a mesma “sorte” (melhor, a mesma tragédia). Numa metáfora dramática e sinistra, poder-se-ia dizer, “quando a farinha se torna pouca, para cá meu mingau primeiro”. Na abundância da água de seu tempo, Malthus jamais poderia imaginar esta última hipótese como uma possibilidade de desequilíbrio.
Fonte - Jornal do Brasil