27/10/2006
Eric Kaufmann*
O mundo ocidental moderno é indissociável da idéia de secularização. Desde a recusa de Sócrates a reconhecer os deuses gregos até a idéia herética de Copérnico de que a Terra girava em torno do Sol, e a abolição da autoridade religiosa pela Revolução Francesa, a rota rumo à modernidade parece divergir daquela norteada pelos preceitos religiosos.
Na nossa época, o declínio do comparecimento às igrejas na Europa é tido como uma evidência de que a modernidade secular entrou nas vidas das pessoas comuns. Alguns secularistas otimistas chegam a perceber até sinais de que os Estados Unidos, conhecidos por serem uma exceção religiosa entre as nações ocidentais, estariam finalmente dando mostras de que o comparecimento à igreja está diminuindo no país.
Mas em meio ao aparente ocaso da fé na Europa, já é possível vislumbrar a coruja religiosa de Minerva alçando vôo. Essa revivificação religiosa pode ser tão profunda quanto aquela que mudou o curso do Império Romano no século quatro.
No seu notável livro "A Ascensão do Cristianismo", o sociólogo da religião norte-americano Rodney Stark explica como uma seita obscura, que contava com apenas 40 convertidos no ano 30 D.C. se transformou na religião oficial do Império Romano por volta do ano 300 D.C. Segundo a versão clássica, o imperador Constantino teve uma visão que fez com que ele se convertesse e abraçasse o cristianismo. Stark demonstra as falhas deste retrato da história baseado na imagem de um "grande homem".
Segundo ele, o cristianismo experimentou uma drástica expansão de 40% por década durante mais de dois séculos, e tal crescimento foi apenas em parte o resultado da sua grande popularidade junto ao grupo mais vasto de pagãos helenísticos. Tão importante quanto isso foram as características demográficas da população cristã. Ao contrário dos pagãos, os cristãos cuidavam dos seus doentes durante as pestes, em vez de abandoná-los. Isso fez com que o índice de mortalidade diminuísse drasticamente.
Contrastando com o etos machista dos pagãos, os cristãos valorizavam a fidelidade masculina e o casamento, o que atraiu um maior número de fiéis do sexo feminino. E isso por sua vez resultou no nascimento de mais crianças cristãs. Além disso, Stark acrescenta que os cristãos possuíam um índice de fertilidade mais alto do que o dos pagãos, o que lhes proporcionou uma maior vantagem demográfica.
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Assim como ocorreu com a própria ascensão do cristianismo, pressões sociológicas lentas criaram as condições para que houvesse um "ponto de inflexão" político. Desta vez, os estrategistas republicanos desempenharam o papel de assessores de Constantino, que perceberam de que lado soprava o vento e se mobilizaram para tirar vantagem das novas tendências sociais. (EUA)
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Após quase um século de modesto declínio, a parcela da população mundial que é religiosa está aumentando. Esse efeito foi produzido pelas gerações mais jovens no mundo em desenvolvimento que rejeitam a secularização, bem como pelos altos índices de fertilidade das populações religiosas. Em todo o mundo, a tendência entre os religiosos é a de ter mais filhos, independentemente de idade, educação ou riqueza. E a Europa "secular" não é uma exceção.
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É difícil determinar qual será a resposta da declinante população cristã da Europa ao islamismo europeu. O crescimento muçulmano pode gerar uma resposta nacionalista secular mais estridente, como parece ter ocorrido na França e na Holanda, ou poderá levar a uma ênfase renovada da identidade cristã (vejam os discursos recentes do papa Bento 16).
David Voas e Steve Bruce encontram evidências desse último fenômeno no censo britânico de 2001, no qual a proporção de entrevistados britânicos brancos que se descreveram como cristãos (em vez de escolherem a opção "nenhuma religião") foi maior nos distritos que possuem grandes populações muçulmanas. A identidade cristã apontada no censo não implica em um aumento da fé religiosa, mas cedo ou tarde isso poderá ocorrer. Na etnicamente dividida Irlanda do Norte, o conflito sectarista alimenta uma religiosidade bem mais alta do que em outras partes do Reino Unido.
Em qualquer dos casos, a combinação de uma comunidade muçulmana que cresce rapidamente e de uma população cristão estável, ou de crescimento lento, sufocará os não religiosos, provocando uma grande reversão das tendências secularizantes dos últimos 50 ou cem anos.
Embora seja improvável que presenciemos a ascensão da política cristã evangélica na Europa, poderemos, não obstante, nos deparar no longo prazo com uma inclinação para valores sociais mais conservadores. Os europeus se tornarão mais "tradicionalistas" quanto a questões morais como o aborto, os valores familiares, a educação religiosa e o casamento de homossexuais. A cooperação entre cristãos e muçulmanos no que se refere a essas questões é bem provável, já que as estruturas ecumênicas para facilitar tal coisa já estão prontas na maioria dos países.
Muito vai depender de como essas sinergias ideológicas serão canalizadas por partidos e sistemas eleitorais em diferentes países, mas por volta de meados do século 21, o apogeu da política secular européia terá passado há muito tempo.
*Eric Kaufmann é professor do Birkbeck College.
Tradução: Danilo Fonseca - UOL Apocalipse 13:1
Vi emergir do mar uma besta que tinha dez chifres e sete cabeças e, sobre os chifres, dez diademas e, sobre as cabeças, nomes de blasfêmia.