Apesar de os mercados terem reagido bem à aprovação do pacote de austeridade pelo parlamento da Grécia nesta quarta-feira, a avaliação dos especialistas é que o movimento serviu apenas para a zona do euro adiar a moratória da dívida do país. Mesmo que o bloco tenha ganhado tempo para se preparar para o pior, a falência de uma economia integrante da união monetária teria consequências de profundidade e duração imprevisíveis, uma vez que não há precedentes na história. Os gregos e seus pares da União Europeia estão, no momento, a estudar maneira de reduzir os impactos. De antemão, é possível antever que o evento macularia a imagem do euro e agravaria a crise no setor bancário mundial, que dura desde 2008. Muitas das grandes instituições financeiras europeias dependem do pagamento das dívidas gregas para manterem seus balanços positivos e perpetuarem a circulação do dinheiro na economia.
Crise do euro – A Grécia, do ponto de vista produtivo, é pouco expressiva tanto para a Europa quanto para a economia mundial. O risco que representa é monetário, isto é, para a estabilidade do euro. O país faz parte de um projeto de moeda única que envolve outras 16 economias e, portanto, impõe um risco de contágio para seus parceiros. Uma vez que a Grécia se endivida usando o euro e não consegue honrar seus compromissos, as emissões de dívida dos outros países que usam a mesma moeda começam a ser comprometidas – sobretudo daquelas nações também ditas ‘periféricas’ do bloco, como Portugal e Irlanda, e que têm problemas semelhantes. “O euro é uma moeda nova ainda. Embora seja emitida pelo Banco Central Europeu, uma entidade confiável, ela requer credibilidade e reputação”, explica Fernando Ribeiro, professor de economia do Insper.
Uma eventual moratória grega minaria a confiança dos mercados no euro, desvalorizando-o, e prejudicaria a recuperação de toda a região que adota a moeda única – e que, com exceção da Alemanha, ainda patina para sair da crise financeira iniciada em 2008. Portanto, um episódio extremo como esse seria acompanhado de outras crises, desta vez envolvendo a Irlanda, Portugal ou Espanha. “A Grécia é apenas uma carta neste castelo de cartas que pode desmoronar”, afirma Luiz Niemeyer, professor de economia do Ibmec Rio.
Crise bancária – Um possível calote da dívida soberana da Grécia também traria duras consequências a bancos espalhados pelo continente. De acordo com um levantamento feito pelo banco de investimentos Barclays Capital, o Credit Agricole, uma das maiores instituições financeiras da França, possui perto de 272 bilhões de euros em títulos gregos; valor superado apenas pelo belga KBC, que detém 273 bilhões de euros. Já o banco da Alemanha mais exposto aos papéis gregos é o Munich RE, que tem em mãos 271 bilhões de dólares em dívidas do país. “Se a Grécia não honrar o seus pagamentos, os bancos ao redor do mundo ficarão descapitalizados. Com menos dinheiro em caixa, eles emprestarão menos à economia e a percepção de risco aumentará”, afirmou Homero Guizzo, economista da consultoria LCA.
Novo Lehman Brothers – A hipótese de um calote na Grécia, principalmente se ocorrer de forma desordenada, já espalha nos investidores o temor de um novo episódio Lehman Brother – em referência à abrupta falência do grande banco americano, em 2008, que desencadeou um efeito dominó no sistema financeiro internacional.
“O grande receio é em relação aos bancos. Um calote da dívida grega traria um impacto imediato nos balanços das instituições financeiras”, afirma Alessandra Ribeiro, analista da Tendências Consultoria. A economista e também Guizzo, da LCA, destacam, ao menos, uma boa notícia. Há quase três anos, bancos europeus e americanos estão em processo de recuperação e hoje contam com menor alavancagem – cenário oposto ao encontrado no período pré-crise, em que as instituições financeiras dispunham de recursos com valor quase 40 vezes superiores ao do seu patrimônio.
O alerta final é que a relação dos grandes bancos que têm papéis gregos – e que devem balançar em caso de calote – pode estar subestimada. “Bancos que não entram na lista dos credores diretos da Grécia podem estar, na realidade, também muito expostos ao problema. O CDS (credit default swap), instrumento financeiro que teve participação na derrocada do banco Lehman Brothers, é o que pode colocá-los nesta situação”, revela Alessandra. Este mecanismo funciona como um seguro contra calotes de dívidas. Se a Grécia declara que não pagará determinado papel que está segurado, o custo recairá sobre o CDS. Logo, um mecanismo criado para trazer segurança imporá perdas a bancos e seguradoras que o detêm, agravando a crise. Para piorar, estes instrumentos são negociados fora do ambiente das bolsas de valores e são difíceis de serem rastreados. Em resumo, ninguém sabe ao certo o tamanho do problema.
Fonte - Veja