sexta-feira, 7 de junho de 2013

"Obama tem como missão pôr fim a uma guerra eterna"

Telluride, Colorado

Obama diz que está na hora de conter seu "poder ilimitado".

Em seu atrasado discurso sobre as guerras convencionais e não convencionais dos EUA nos últimos 12 anos, o presidente Barack Obama citou [o presidente] James Madison: "Nenhum país poderia preservar sua liberdade em meio a uma guerra contínua".

Eu digo "atrasado" porque o presidente, há muito tempo, devia ao país uma prestação de contas sobre o uso crescente de ataques com "drones" (pelo menos 315 deles só no Paquistão, segundo o Birô de Jornalismo Investigativo, em Londres, comparados com 52 sob o presidente George W. Bush), sobre o fracasso de cumprir sua promessa de fechar o centro de detenção militar na baía de Guantánamo, sobre o uso de tortura e de detenção ilegal por americanos e sobre o âmbito e o futuro dessa fera insaciável chamada guerra global ao terrorismo.

Se havia necessidade de um lembrete sobre tudo o que Obama não disse, o festival de documentários Mountainfilm, em Telluride, no Colorado, o forneceu. "Manhunt" [Caçada humana], de Greg Barker, é um relato fascinante da caçada a Osama bin Laden, feito principalmente pelas vozes de analistas frustrados da CIA. Já "Dirty Wars" [Guerras sujas], de Richard Rowley, é uma crônica das tentativas de um jornalista de denunciar a campanha secreta do Comando Conjunto de Operações Especiais no Afeganistão e em outros lugares.

Os dois documentários levantaram perguntas perturbadoras sobre o que acontece quando, durante um período prolongado, um presidente americano recebe poderes quase ilimitados para guerrear onde e como quiser.

Como reconheceu o presidente Obama em seu recente discurso na Universidade Nacional de Defesa, "a menos que disciplinemos nosso pensamento, nossas definições e nossos atos, poderemos ser levados a outras guerras que não precisamos lutar ou continuar concedendo aos presidentes poderes ilimitados mais adequados a conflitos armados tradicionais entre países".

Esses "poderes ilimitados" se basearam na Autorização para o Uso de Força Militar, mais conhecida como AUMF, aprovada uma semana depois dos ataques terroristas de 11 de Setembro. Essencialmente, ela deu ao presidente, com pouca ou nenhuma supervisão do público, autoridade global para atacar a Al Qaeda, o Taleban e quaisquer forças que possam emprestar esses epítetos vagos em uma vasta campanha antiterrorista. Os resultados incluíram a devastadora guerra no Iraque (injustificável e contraproducente enquanto contraterrorismo) e ataques de "drones" do Paquistão à Somália. O custo da guerra superou US$ 1 trilhão.

Houve sucessos: a morte de Bin Laden no Paquistão em 2011, a prevenção de um novo grande ataque terrorista aos EUA e a incapacitação do núcleo da Al Qaeda. Mas, como o presidente admitiu abertamente, "em alguns casos, acredito que comprometemos nossos valores básicos".

Finalmente, os eufemismos caíram por terra. Ouvimos Obama falar em "tortura", não em "técnicas de interrogatório aperfeiçoadas", e ouvimos que as pessoas foram detidas "de maneiras que contrariam o regime da lei". "Locais negros" da CIA em que suspeitos foram presos e às vezes torturados são citados jocosamente como "butiques" por um ex-oficial da CIA em "Manhunt".

Mas o esclarecimento mais importante foi a admissão pelo presidente de que uma guerra eterna -mantendo os EUA "em perpétuo pé de guerra"- inevitavelmente minará as instituições que protegem a liberdade, o regime da lei e a própria democracia. "Esta guerra, como todas as guerras, tem de acabar", disse. "É o que a história aconselha. É o que nossa democracia exige."

Para produzir esse fim, Obama disse que vai convocar o Congresso e o público "em iniciativas para refinar e, em última instância, repelir o mandato da AUMF". Ele disse que não assinará leis para prorrogar o mandato. Ao mesmo tempo, algumas autoridades do Departamento da Defesa argumentaram em uma recente audiência à Comissão de Serviços Armados do Senado que a lei de 2001 poderá ser necessária por mais uma ou duas décadas.

O presidente precisa ser muito mais específico e direto sobre suas intenções. Existe um padrão perturbador em seu governo de distância entre a retórica fina e a ação. Em nenhum lugar essa necessidade é maior que na área da política de "drones". Enquanto defendia sua legalidade sob a AUMF, ele sugeriu que não houve um debate público suficiente e que existe uma tentação a ver os "drones" como uma panaceia para o terrorismo. Ele falou sobre formas mais rigorosas de supervisão e controle.

Mais uma vez, suas palavras foram vagas demais. Os dados sobre ataques de "drones" -reunidos por organizações como a Clínica de Direitos Humanos e Resolução de Conflitos da Escola de Direito de Stanford e a Clínica de Justiça Global da Escola de Direito da Universidade de Nova York- em um novo livro, "Living Under Drones" [Vivendo sob "drones"], são devastadores: até 3.586 pessoas foram mortas só nas áreas tribais do Paquistão, das quais até 884 eram civis, incluindo até 197 crianças.

Raramente os mecanismos de autocorreção embutidos na separação de poderes que está no cerne da Constituição dos EUA foram mais necessários. Combater terroristas é um negócio confuso. Não há soluções fáceis ou definitivas. Mas agora está claro que, se permitirem que a guerra global ao terrorismo dure para sempre, ela não poupará os EUA.

Fonte - Folha
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