domingo, 3 de maio de 2015

Terremotos em série intrigam público e cientistas

RIO - O forte terremoto que atingiu o Nepal no último fim de semana pode ser apenas o mais recente de uma série de grandes tremores que aflige o mundo desde dezembro de 2004 e intriga os cientistas e o público em geral. Naquele ano, um abalo de magnitude 9,1 na região das Ilhas Andaman, na costa Oeste de Sumatra, Indonésia, provocou um tsunami que deixou mais de 220 mil mortos em países em torno do Oceano Índico. Este sismo marcaria o início de uma sequência de eventos devastadores que sacudiram do Chile ao Japão, passando por China, Haiti e Itália, com um total de vítimas fatais que chegaria a mais de 600 mil, numa sucessão de tragédias que levanta suspeitas de que estes terremotos poderiam estar interligados.

Até 2004, o último terremoto com magnitude acima de 9 tinha sido registrado no Alasca cerca de 40 anos antes, ele mesmo parte de uma estranha sequência de tremores poderosos iniciada em 1950, quando um sismo de magnitude 8,6 sacudiu o Tibete. Como agora, esta série de fortes abalos no início da segunda metade do século XX pareceu estar concentrada em um período relativamente curto de tempo, de não mais de 15 anos. Segundo os cientistas, esta aparente aglomeração (clustering, no termo em inglês) de grandes terremotos globais pode não passar de uma simples coincidência — mas também pode ser indício da existência de mecanismos que fazem com que um deles precipite a ocorrência de outro mesmo a enormes distância. Mecanismos que desafiam os atuais conhecimentos sobre o funcionamento e o comportamento das placas tectônicas que formam a crosta terrestre.

— O histórico destes aparentes ciclos é suspeito, mas até agora não temos evidências de que tais mecanismos de fato existam além desta observação — diz Tom Larsen, líder de arquitetura de produtos de modelagem e previsão de catástrofes da CoreLogic EQECAT, empresa de análise de dados que presta consultoria a companhias seguradoras e de resseguros, entre outras. — Sabemos e entendemos muito bem como grandes terremotos podem ser precedidos por abalos menores e sucedidos por uma miríade de abalos secundários, os chamados aftershocks, em nível local e regional, mas em nível global ainda não temos conhecimento suficiente nem para provar nem para derrubar esta hipótese.

MOVIMENTO MACIÇO DA CROSTA

Segundo Larsen, a ideia geral desta hipótese é que, num tremor em grande escala, o movimento maciço da crosta terrestre pode transmitir energia a grandes distâncias, o suficiente para que uma falha em uma região afastada do planeta atinja seu limite e se rompa, deflagrando outro forte terremoto.

— O conceito básico por trás disso é que a liberação da energia em uma área aumenta a pressão em outra, mesmo que muito distante, mas isso teria que se dar de uma maneira que não sabemos ou vai de encontro ao que conhecemos sobre o comportamento da Terra — conta. — Assim, a observação destes aparentes ciclos de grandes terremotos não é ilógica ou irracional, mas o fato é que precisamos de mais informação e estudos para fazer qualquer ligação direta entre eles.

Já Robert Yeats, professor da Universidade do Estado de Oregon, nos EUA, e especialista em geologia de terremotos e placas tectônicas, é mais cético. Segundo ele, os atuais modelos sobre o comportamento da Terra e previsão da probabilidade da ocorrência de terremotos em nível regional não contemplam qualquer tipo de influência de grandes abalos a grandes distâncias.

— Temos evidências da ocorrência de aglomerações de terremotos em nível regional, mas nada global — afirma.

Ainda assim, Yeats reconhece que os atuais modelos para previsão de terremotos estão longe de serem precisos e admite a possibilidade, mesmo que remota, de grandes sismos deflagrarem outros em regiões distantes do planeta.

— Obviamente, ao olhar para trás e vermos que há 40 anos não tínhamos uma sucessão de terremotos fortes como essa, isso se destaca — considera o cientista. — A Terra é um sistema extremamente complexo e nosso conhecimento sobre o que acontece com ela é muito incompleto. Não sabemos se a sequência de grandes terremotos que estamos vendo é uma coincidência ou se há algum real mecanismo por trás disso. A verdade é que tudo é uma grande especulação e não podemos dizer ou prever, com base nisso, a possibilidade de termos outro grande terremoto num prazo relativamente curto, nem quando nem onde.

Apesar disso, Yeats conta que a mais recente série chamou a atenção das autoridades do Oregon, que o convocaram (e outros especialistas) para discutir a necessidade de medidas de prevenção de uma possível catástrofe provocada por eventual forte abalo na região tectonicamente ativa de Cascadia, no Noroeste dos EUA.

Fonte - O Globo
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