Impensável talvez para todos algum tempo atrás, previsto por aqueles que nos últimos meses tinham vindo a acompanhar o protagonista, chocante para quem foi apanhado de surpresa: temos um membro da Igreja Adventista do Sétimo Dia candidato à presidência dos Estados Unidos da América.
O irmão Ben Carson não é um ilustre desconhecido, quer para a igreja ou a sociedade civil. Com uma história de vida que encaixa que nem uma luva no ideal do “sonho americano”, tornou-se um dos mais destacados neurocirurgiões do mundo, famoso por chefiar, em 1987, a primeira separação de gémeos siameses unidos pela cabeça.
Em 2008, Ben foi premiado com a Medalha Presidencial da Liberdade, a maior distinção civil americana, pelo então presidente George W.Bush. No ano seguinte, foi produzido um filme sobre a sua vida, tendo por base o livro “Mãos Dotadas”, um título disponível nas livrarias adventistas. Assim, na igreja, habituamo-nos a apreciar a história e o exemplo deste irmão.
Ben aposentou-se da prática médica em 2013, uma fase da vida em que, supostamente, as pessoas abrandam o ritmo e vivem a sua vida mais tranquila e discretamente – mas não foi esse o caso de Ben…
Isto porque, em fevereiro desse mesmo ano, ele teve oportunidade de discursar a escassos metros de distância do presidente Barack Obama durante o “Pequeno-almoço de Oração” (tradução literal), um evento anual que serve como um fórum para as elites políticas, sociais e económicas se reunirem e estabelecerem contactos. Nessa ocasião, e segundo vários comentadores, Ben arrasou várias das políticas de Obama, levantando uma voz crítica e direta que foi muito bem recebida pela ala conservadora.
A partir daí, todas as pesquisas e sondagens de opinião acerca dos possíveis candidatos republicanos às presidenciais americanas de 2016 passaram a incluir o nome de Ben Carson, que apareceu sempre muito bem referenciado.
Desde então, com especial destaque para os últimos meses, acompanhei de perto a evolução das futuras perspetivas políticas de Ben Carson – o estabelecimento de um comité preparatório, a montagem de uma equipa e de uma estratégia de terreno (que embora não disfarçando alguma falta de profissionalização, principalmente se compararmos com as habituais máquinas dos grandes partidos, é de admirar para um independente sem estrutura anterior), foram apenas os primeiros passos que conduziram ao anúncio de ontem: Ben é concorrente à presidência americana, procurando agora a nomeação como candidato conservador, do partido republicano.
Feito este breve contexto pessoal e histórico, cabe agora perceber a questão sob o ponto de vista que mais nos atrairá a atenção: Ben Carson é membro da Igreja Adventista do Sétimo Dia. Como tal, há imensas questões que se levantam e que nos podem atingir a todos, ainda que indiretamente. (Vou ignorar, para já, as recomendações que temos para nos afastarmos de questões de âmbito político. Talvez possamos refletir nisso mais à frente.)
Vejamos: não é novidade para ninguém que numa luta política destas, cada candidato procura, além de apresentar os seus méritos, mostrar os deméritos, as falhas do outro, tentando capitalizar para si as preferências dos votantes. Assim, não nos deve parecer descabido que qualquer opositor de Ben Carson rebusque tudo quanto lhe diz respeito, incluindo a sua fé religiosa. E aí, irá encontrar que a Igreja Adventista do Sétimo Dia tem posições oficiais, incluindo nas suas publicações, que identificam profeticamente os Estados Unidos como sendo uma das bestas de Apocalipse, um dos futuros poderes perseguidores da liberdade de consciência, um ator fundamental na finalização da história da Terra em sentido rigorosamente oposto àquilo que 95% dos cristãos americanos entendem (refiro-me ao dispensacionalismo), apelidando-os de apóstatas. Mais: irá encontrar que os Adventistas do Sétimo Dia acreditam que são um grupo que será perseguido (não só mas também) pela mão política, civil e militar... dos Estados Unidos!
Como será que Ben irá responder a este tipo de questões (e outras paralelas que se levantarão)? O que dirá ele quanto for colocado diante deste aparente paradoxo? Será que irá firmar-se naquilo que sempre entendemos no âmbito da nossa fé e mensagem, ou será que irá comprometer-se de alguma forma, como já o terá feito quando confrontado com a questão da homossexualidade?
Depois há outras questões que podem ser menores, mas não são menos potenciadoras de discussão: se na Igreja Adventista prezamos a vida de todas as pessoas sem discriminação, como entenderemos o facto de Ben ser a favor do porte de arma? Por curiosidade, saiba que a posição dele sobre os impostos aos cidadãos tem por base o conceito do dízimo bíblico; até que ponto não será acusado de misturar estado e igreja?
Contudo, a verdade é que isto poderá abrir uma gigantesca oportunidade para a Igreja Adventista: já pensamos quanto tempo de exposição isto nos pode dar? Quantas atenções não se poderão voltar para as nossas crenças, doutrinas e mensagem? Quantas vezes poderemos, eventualmente, ter a oportunidade de testemunhar de viva voz acerca das razões da nossa fé, não apenas em privado mas também através dos meios de comunicação social? Quantos jornalistas não irão, porventura, ocorrer às nossas igrejas para nos apresentar e divulgar diante da sociedade? Se isso acontecer, podemos estar diante de uma oportunidade rara, assim saibamos aproveitá-la.
Curiosamente, o segundo nome de Ben é Solomon (Salomão); saberá ele lidar com esta exposição com a sabedoria do antigo rei de Israel? Saberemos nós também fazê-lo? Os próximos tempos darão a resposta. Pelo menos, é isso que esperamos; para já, só temos perguntas...
[P.S.: a irmã Sonya Carson, mãe de Ben, para muitos a verdadeira heroína da história do filho, está atualmente nos últimos momentos da sua vida. O seu estado de saúde agravou-se nas últimas semanas e é possível que em breve o Senhor a faça descansar. Oremos para Deus lhe conceda momentos de tranquilidade.] (Via O Tempo Final)