domingo, 24 de maio de 2015

Mediterrâneo e Ásia expõem drama dos que não podem ficar nem têm para onde fugir

Casos de refugiados em alto mar sucedem-se em meio a miséria, intolerância e violência

O drama já se tornou recorrente em meio a misérias, intolerâncias e violências: uma embarcação precária, com centenas de refugiados, entra em confronto internamente por serem pessoas de diferentes etnias, ou externamente por terem o acolhimento rejeitado no destino que procuram. Também há casos de naufrágio, de gente abandonada por traficantes de seres humanos que se aproveitam do seu desespero.

Na terça-feira, cem pessoas morreram em confrontos entre rohingyas de Mianmar e migrantes de Bangladesh, armados com machados, facas e barras de metal, em um barco à deriva na costa da Indonésia. A briga se iniciou quando a água e a comida acabaram. Rohingyas e bengaleses trocaram acusações sobre quem provocou os confrontos. Os muçulmanos rohingya, de Mianmar, são uma minoria que foge de perseguições. Os migrantes de Bangladesh tentam se livrar da pobreza. Aos milhares, chegam à costa de países como Indonésia, Malásia e Tailândia, por vezes abandonados no mar pelos traficantes. Como diz o clichê, é o roto contra o esfarrapado.

Na quarta-feira, pescadores socorreram 400 imigrantes na costa da província indonésia de Aceh. As vítimas foram levadas para Simpang Tigan, no leste de Aceh. Nesse caso, sobressai pelo menos um sinal de boa vontade em meio à selvageria: a população local forneceu água e comida para os resgatados, enquanto médicos tratavam dos doentes. Mas, conforme relatos dos sobreviventes, eles foram abandonados pela tripulação até a chegada de autoridades, e estas, então, empurraram o barco de volta ao mar.

— Os refugiados sabem que a probabilidade de morrer no mar é enorme, que haverá grande sofrimento físico e moral durante a viagem e que, se tudo der certo, a acolhida no país de destino será num primeiro momento precária, mais tarde hostil. Como gastam tudo o que têm para pagar a travessia, chegam completamente vulneráveis. E é bom lembrar que nem sempre eles foram pobres, muitos deles têm boa formação e viviam dignamente até que algo os empurrasse para fora de sua casa — contextualiza Deisy Ventura, especialista em temas internacionais e professora da Universidade de São Paulo (USP).

O Alto Comissariado da ONU para os Refugiados (Acnur) tem cobrado, de governos do sudeste asiático, o resgate das pessoas vulneráveis. O porta-voz do Acnur, Adrian Edwards, diz:

— Estimamos que 4 mil pessoas de Mianmar e Bangladesh estejam no mar, com suprimentos acabando. Isso inclui 2 mil homens, mulheres e crianças encalhadas em pelo menos cinco barcos perto de Mianmar e Bangladesh há mais de 40 dias. Relatos sugerem que o número pode ser maior.

Na Malásia, refugiados contaram a funcionários do Acnur que foram sequestrados ou atraídos por falsas promessas de contrabandistas que fazem a travessia. Os imigrantes disseram saber de casos de outros passageiros que morreram no mar por doenças, por fome ou por terem sido espancados pela tripulação.

Em Mianmar, centenas de pessoas abandonaram a travessia e voltaram ao Estado de Rakhine após cada uma pagar entre US$ 182 e US$ 273 a contrabandistas. Relatos de fome, desidratação e violência a bordo corroboram os de pessoas que desembarcaram na Tailândia, Malásia e Indonésia. Nas últimas duas semanas, 1.396 pessoas chegaram à Indonésia, 1.107 à Malásia e 106 ao sul da Tailândia.

O Acnur estima que haja 50,6 milhões de refugiados, deslocados, apátridas, requisitantes de refúgio e asilo e vulneráveis. Em relação ao ano passado, houve aumento de 1,3 milhão, o que escancara uma crise.

— As maiores causas do refúgio são os conflitos armados, a perseguição étnica ou religiosa e as catástrofes naturais. Grande parte dos conflitos e dos regimes que perseguem é parcialmente apoiada, financiada ou até causada por países do Ocidente. O refugiado não é aquele que deseja sair, é aquele que não pode ficar. E o mesmo Ocidente que agrava as causas e o volume do refúgio é quem agora age como se estivesse sendo invadido e injustamente onerado, apresentando como caridade aquilo que não é mais do que um dever — analisa Deisy.

Na América Latina, a Colômbia, que busca a paz negociando com a guerrilha para superar um confronto de 50 anos, tem 5 milhões de pessoas nessa situação, a maioria deslocadas internamente para fugir da violência – chegam a quase 4 milhões. De refugiados, são cerca de 400 mil colombianos. O Acnur, porém, vê o país como um raro caso de esperança.

— Temos a esperança de que o processo de paz na Colômbia nos permita avançar até uma solução para os refugiados e os deslocados — diz o alto comissário da ONU, Antonio Guterres.
No geral, o discurso de Guterres é pessimista:

— Enquanto a comunidade internacional fracassar na busca de soluções para os conflitos e em impedir o início de outros, continuaremos a lidar com as dramáticas consequências humanitárias.

Também há casos no Peru, no Equador, na Venezuela e, muito em especial, no Haiti, onde o Brasil é o foco principal desde 2010, em razão do terremoto devastador que ampliou o cenário de miséria.

Os haitianos entram no Brasil pelo Acre e pelo Amazonas. Depois, seguem para regiões como o Rio Grande do Sul, onde, além de Porto Alegre, recomeçam a vida em Bento Gonçalves, Caxias do Sul, Encantado, Lajeado e Passo Fundo. Trabalham em frigoríficos, na construção civil e como frentistas.

Em 2011, houve, no total, 3.501 pedidos de refúgio no Brasil, feitos à Polícia Federal. Em 2013, 17.927. Até julho do ano passado, 17.903. A demanda cresce na proporção da desesperança.

Fonte - Zero Hora
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