segunda-feira, 30 de junho de 2008

Circulo Católico de Operários do Porto e a “Batalha” pelo descanso dominical

1. O Círculo Católico de Operários do Porto trouxe ao movimento católico português um cariz propriamente contemporâneo. Na verdade, é com ele que se ultrapassa a fase “paternalista”, que, num quadro ainda muito tradicional e pré-urbano, procurava resolver a questão social mais pela responsabilidade das elites do que pela movimentação autónoma dos trabalhadores: “Um movimento social católico, integrado ‘por operários’, e não só ‘para operários’, vai surgir apenas com o lançamento dos C. C. O. [Círculos Católicos de Operários].
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2. No seu programa (publicado n’ O Grito do Povo de 17 de Junho de 1899) surgiram 14 itens elucidativos, que podemos resumir assim: 1º) descanso dominical; 2º) ensino religioso; 3º) diminuição dos encargos militares, que pesavam mais sobre os pobres; 4º) reforma do imposto, para que incidisse mais sobre os objectos de luxo do que sobre os géneros de primeira necessidade; 5º) extinção da agiotagem e da usura; 6º) diminuição das despesas de justiça; 7º) representação do trabalho e dos interesses profissionais; 8º) comissões mistas de patrões e operários; 9º) máximo do dia de trabalho, não mais de onze horas; 10º) redução do trabalho nocturno; 11º) proibição do trabalho de menores de 14 anos e cuidados com o trabalho da mulher; 12º) salário mínimo, começando no sector público; 13º) caixas de socorro na doença, acidentes e velhice; 14º) casas para operários.

3. O Círculo Católico de Operários do Porto nunca desistiu até ver realizado o primeiro item do seu programa, o descanso dominical. É aliás a melhor demonstração da incidência social duma convicção tão humanitária como religiosa. Em 1907, o governo de João Franco legislou finalmente nesse sentido, com imediato aplauso do C. C. O. portuense (cf. GONÇALVES, Eduardo C. Cordeiro – O Círculo Católico de Operários do Porto e o Catolicismo Social em Portugal (1898 – 1910). Porto: CCOP, 1998, p. 34- 35).

Interessante a argumentação do Círculo, ligando a prescrição religiosa à consideração antropológica. Como neste trecho de Fernandes da Silva, n’ O Grito do Povo de 12 de Agosto de 1899: “O domingo não é somente o dia do Senhor, mas também do homem. Deus criando o homem dotou-o de corpo e alma, e tão intimamente ligada com aquele, que se o corpo descansa a alma também descansa. Porém Deus para prover a esta necessidade estabeleceu o descanso do domingo, sendo regulado segundo o organismo e forças humanas”.

E, se este ponto foi porventura o mais consequente da doutrina e da projecção do Círculo Católico de Operários do Porto, poderá ser hoje o mais actual da sua herança a recolher. De facto, nas actuais condições sócio-económicas, o descanso dominical, arduamente conseguido há um século, é posto em causa por outros motivos. O modo corrente de viver e descansar, menos comunitário, mais individualizado, faz do “fim-de-semana” o tempo do comércio e dos “centros comerciais” o espaço social mais centrípeto e convidativo. Aliás, os serviços de apoio ao lazer exigem cada vez mais trabalho ao sábado e Domingo.

4. Neste contexto, a actual doutrina social da Igreja tem retomado e aprofundado muita da argumentação de há cem anos. Fundamental neste ponto é a carta apostólica de João Paulo II Dies Domini, sobre a santificação do Domingo, de 1998. Por exemplo, no seu nº 66: “No contexto histórico actual, permanece a obrigação de batalhar para que todos possam conhecer a liberdade, a calma e o descanso necessários à sua dignidade de homens, com as consequentes exigências religiosas, familiares, culturais, interpessoais, que dificilmente podem ser satisfeitas, se não ficar salvaguardado pelo menos um dia semanal para gozarem juntos da possibilidade de repousar e fazer festa”. Sem esquecer de acrescentar: “Obviamente, este direito do trabalhador ao descanso pressupõe o seu direito ao trabalho”.

Está em causa uma visão integrada da pessoa humana, a qual, muito mais do que mero “indivíduo”, é sujeito de relações múltiplas, indispensáveis para a sua realização integral. Isto significa família, sociedade, cultura e religião, tudo realidades conjuntas que precisam de tempos e espaços de encontro, ritmados, de todos para todos. E as reais necessidades de garantir serviços públicos ou particulares não podem iludir tal realidade essencial, mas proporcioná-la, também àqueles que nem sempre possam descansar ao Domingo. Uma sociedade que se perde como convivência integradora desfaz-se na pulverização dos interesses. Deixa mesmo de ser “sociedade”, perde-se como humanidade.

- Há muito a retomar, do que no Círculo Católico de Operários do Porto foi propósito e consequência, há mais de um século!

Fonte - Ecclesia

Nota DDP:
Interessante notar, no contexto desta notícia, uma outra enviada por uma leitora deste espaço [Gessica] acerca da visita do Presidente português ao Vaticano, que dentre outras afirmações de apreço ao Papa e à Igreja Católica, levou a efeito a seguinte afirmação: "Tive ocasião de sublinhar que é importante para o mundo e para os valores que a Igreja e a Europa partilham, uma Europa unida, uma Europa forte [...]". Tal questão veio no contexto da rejeição da Irlanda ao tratado europeu, que contou inclusive com apoio da ICAR.
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