segunda-feira, 6 de novembro de 2006

Pesca comercial vai acabar em 2048, indica projeção


São Paulo, sexta-feira, 03 de novembro de 2006

Captura excessiva de peixes e frutos do mar já comprometeu 29% das espécies

Estudo que reuniu dados globais indica que áreas de maior biodiversidade, como o litoral brasileiro, têm mais chance de se recuperar

EDUARDO GERAQUE
DA REPORTAGEM LOCAL

A pesca comercial marinha do mundo inteiro pode acabar em 2048 devido à captura de peixes em um ritmo maior do que os animais conseguem se reproduzir, indica um grupo internacional de cientistas. De acordo com estudo divulgado ontem, até agora 29% das espécies de pescado já entraram em colapso -a produção delas caiu 90% em 50 anos-, e deve acontecer o mesmo com outras.

Segundo a estimativa, publicada hoje na revista "Science" (www.sciencemag.org), resta pouco tempo para tentar reverter a situação e evitar o colapso total das espécies marinhas de interesse comercial.

Para estipular a data fatídica, os cientistas abriram mão de modelos matemáticos e analisaram 32 experimentos marinhos que manipularam a diversidade de espécies em diferentes escalas. O estudo também trabalhou com dados históricos de pesca relativos aos últimos mil anos, obtidos em 12 zonas costeiras, e com resultados tabulados pela FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação) em 64 grandes ecossistemas marinhos, incluindo os da costa do Brasil.


"Estou muito feliz com a metodologia. Nós usamos diferentes fontes de informação", disse à Folha Boris Worm, biólogo da Universidade Dalhousie, no Canadá, um dos autores do estudo. "Mostramos que quando espécies são perdidas, a produtividade e a estabilidade do ecossistema também se perde."


Segundo Worm, não é apenas a produção de alimento (pescado ou frutos do mar) que está sob ameaça (veja quadro à direita). "Os ecossistemas também tendem a ficar menos protegidos às ondas de choque causadas, por exemplo, pela extração excessiva de uma determinada espécie ou mesmo pelas mudanças climáticas", assegura o pesquisador.


O fato de as espécies de peixes, moluscos e crustáceos funcionarem como cartas do castelo oceânico é conhecido dos pesquisadores. Para Silvio Jablonski, biólogo marinho da Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), o estudo publicado agora torna essas relações mais evidentes.


Pobre mar brasileiro

"O artigo comprova com análises de experimentos e séries de dados em diversas escalas que a perda de serviços ambientais [benefícios da natureza ao homem] e a baixa produtividade estão relacionadas à redução da diversidade", explica Jablonski. Para ele, apesar de o mar brasileiro ser rico em biodiversidade, característica encontrada nas zonas tropicais do planeta, a situação aqui está longe de ser positiva. "A nossa pobreza está na capacidade de sustentar grandes biomassas de recursos", afirma.


Também para Worm, o caso merece cuidado. "A costa brasileira pode ser bem produtiva. Entretanto, o manejo das espécies precisa ser cuidadoso. Deve-se ter certeza de que nenhuma espécie será perdida", disse.


No caso da sardinha brasileira, por exemplo, essa atenção não existiu. O conhecimento científico gerado recentemente pode explicar o que ocorreu com ela. "Após sofrer uma pressão pesqueira intensa, parece que a espécie está suscetível às variações das condições oceanográficas. O problema tem aparecido no período da desova", segundo Jablonski. Diante desse quadro "depressivo", como classificou Worm, a boa notícia é que ainda existe tempo hábil para que a situação mundial possa ser revertida.


A pesquisa, que também analisou a situação de 48 áreas marinhas protegidas, em diferentes parte do mundo, mostrou que áreas fechadas ao homem estão mais equilibradas. Nesses locais, além da produtividade das espécies ter crescido quatros vezes, os ecossistemas estão, em média, 21% mais protegidos contra desequilíbrios.


Nas áreas com mais diversidade, como são as do Brasil, os resultados mostram ainda que a regeneração das populações marinhas tende a ser mais fácil.


"As áreas mais sensíveis precisam ser fechadas ao uso humano, mas boa parte do oceano ainda pode ser usado, desde que sejamos organizados para fazermos isso", afirma Worm.

Fonte - Folha de São Paulo

Nota: Mais sobre a degradação da natureza, aqui, aqui, aqui e aqui.
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