Está a acabar o tempo para os Estados Unidos colocarem os seus défices orçamental e comercial sob controle. Apesar da urgência da situação, o ano de 2010 tem sido desperdiçado em alardes acerca de uma recuperação não existente. Ainda recentemente, em 2 de Agosto, o secretário do Tesouro Timothy F. Geithner assinou uma coluna no
New York Times intitulada "Bem vindo à recuperação".
Como John Williams (shadowstats.com) deixou claro em muitas ocasiões, foi criada uma aparência de recuperação pela super-contagem do emprego e a sub-contagem da inflação. Advertências de Williams, de Gerald Celente e de mim próprio não foram ouvidas, mas as nossas advertências recentemente tiveram ecos entre Laurence Kotlikoff e David Stockman, da Universidade de Boston, que criticaram o Partido Republicano por se tornar grande gastador como os democratas.
É encorajador ver um bocado de percepção de que, desta vez, Washington não pode tirar a economia para fora da recessão. Os défices já são demasiado grandes para o dólar sobreviver como divisa de reserva e o gasto deficitário não pode por outra vez os americanos a trabalharem em empregos que foram deslocalizados para o exterior.
Contudo, as soluções apresentadas por aqueles que agora começam a reconhecer que há um problema são desencorajadoras. Kotlifoff pensa que a solução são cortes maciços na Segurança Social e no Medicare ou aumentos maciços de impostos ou hiper-inflação para destruir as dívidas maciças.
Talvez falte imaginação aos economistas, ou talvez não queiram ficar isolados da Wall Street e dos subsídios corporativos, mas a Segurança Social e o Medicare são insuficientes aos níveis actuais, especialmente considerando a erosão das pensões privadas pelas bolhas do dot.com, dos derivativos e do imobiliário. Cortes na Segurança Social e no Medicare, pelo qual as pessoas pagaram 15% dos seus rendimentos durante toda a sua vida, resultariam em fome e mortes por doenças curáveis.
Aumentos de impostos fariam ainda menos sentido. É amplamente reconhecido que a maioria das famílias não pode sobreviver com um só emprego. Mas marido e esposa trabalham e muitas vezes um dos dois tem dois empregos a fim de conseguirem sustentar-se. Elevar impostos torna mais difícil sustentarem-se – portanto mais arrestos, mais selos alimentares, mais desabrigados. Que espécie de economista ou pessoa humana pensa que isto é uma solução?
Ah, mas nós tributaremos os ricos. A idiotice habitual. Os ricos já têm bastante stock de dinheiro. Eles simplesmente cessarão de ganhar mais.
Vamos ser realistas. Eis o que é provável que o governo faça. Uma vez que os idiotas de Washington percebam que o dólar está em risco e que não podem mais financiar as suas guerras contraindo empréstimos no estrangeiro, o governo ou lançará um imposto sobre pensões privadas com a argumentação de que as pensões acumularam impostos adiados, ou o governo exigirá aos administradores de fundos de pensões que comprem dívida do Tesouro com as nossas pensões. Isto dará ao governo um pouco mais de tempo enquanto as contas de pensão são carregadas com papéis sem valor.
O último défice orçamental de Bush (2008) estava entre os US$400 e US$500 mil milhões, o que equivale à dimensão dos excedentes comerciais chinês, japonês e da OPEP com os EUA. Tradicionalmente, estes excedentes comerciais têm sido reciclados para os EUA e financiam o défice do orçamento federal. Em 2009 e 2010 o défice federal saltou para US$1.400 mil milhões, um aumento total um milhão de milhões (trillion) de dólares. Não há excedentes comerciais suficientes para financiar um défice desta magnitude. De onde vem o dinheiro?
A resposta vem de indivíduos a fugirem do mercado de acções para os "seguros" Títulos do Tesouro e também do salvamento dos banksters [1] , não tanto com o dinheiro do TARP como a permuta do
Federal Reserve de reservas bancárias por papel financeiro questionável tais como derivativos
subprime. Os bancos utilizaram o seu excesso de reservas para comprar dívida do Tesouro.
Estas manobras de financiamento são truques que se fazem uma só vez. Uma vez que as pessoas fugiram das acções, aquele movimento para os Títulos do Tesouro está acabado. A oposição ao salvamento dos
banksters provavelmente impediu um outro. Assim, de onde virá o dinheiro da próxima vez?
O Tesouro foi capaz de descarregar um bocado de dívida graças à "crise grega", a qual os
banksters de Nova York e os
hedge funds multiplicaram na "euro crise". A imprensa financeira serviu como um braço financeiro do
US Treasury ao criar pânico acerca da dívida europeia e do euro. Bancos centrais e indivíduos que se haviam refugiado do dólar com os euros foram levados ao pânico com os seus euros e correram outra vez para os dólares com a compra de dívida do
US Treasury.
Este movimento dos euros para os dólares enfraqueceu a divisa de reserva alternativa ao dólar, para o declínio do dólar e financiou o maciço défice do orçamento dos EUA um pouco mais.
Possivelmente o jogo pode ser reencenado com a dívida espanhola, a dívida irlandesa e a de qualquer outro infeliz país varrido para isso pela imprudente expansão da União Europeia.
Mas quando não houver mais quaisquer países que possam ser desestabilizados pelos
banksters de investimento da Wall Street e dos
hedge funds, o que então financia o défice do orçamento dos EUA?
O único financiador remanescente é o
Federal Reserve. Quando títulos do Tesouro trazidos a leilão não se vendem, o
Federal Reserve deve comprá-los. O
Federal Reserve compra os títulos criando novas exigências de depósitos, ou conferindo contas, para o Tesouro. Como o Tesouro gasta o dinheiro apurado das vendas de nova dívida, a oferta monetária dos EUA expande-se no montante da compra do
Federal Reserve de dívida do Tesouro.
Será que bens e serviços se expandem na mesma proporção? As importações aumentarão quando empregos estado-unidenses foram deslocalizados e dados a estrangeiros, piorando portanto o défice comercial. Quando o
Federal Reserve compra as novas emissões de dívida do Tesouro, a oferta monetária aumentará mais do que a oferta de bens e serviços produzidos internamente. Os preços provavelmente ascenderão.
Quão alto eles ascenderão? Quanto mais dinheiro for criado a fim de que o governo possa pagar as suas contas, mais provavelmente o resultado será a hiper-inflação.
A economia não se recuperou. No fim do ano será óbvio que a economia em colapso significa um défice orçamental para financiar maior do que os US$1,4 milhões de milhões. Será de US$2 milhões de milhões? Será mais alto?
Seja qual for a dimensão, o resto do mundo verá que o dólar está a ser impresso em tais quantidades que não pode servir como divisa de reserva. Naquele ponto o despejo maciço de dólares virá quando bancos centrais estrangeiros tentarem descarregar uma divisa sem valor.
O colapso do dólar empurrará para cima os preços das importações e dos bens deslocalizados dos quais os americanos estão dependentes. Os compradores do Wal-Mart pensarão que entraram por engano no Neiman Marcus. [2]
Os preços internos também explodirão quando uma oferta monetária crescente expulsa a oferta de bens e serviços ainda feita na América por americanos.
O dólar como divisa de reserva não pode sobreviver à conflagração. Quando o dólar se for os EUA não poderão financiar o seu défice comercial. Portanto, as importações cairão drasticamente, acrescentando-se assim à inflação interna e, como os EUA são dependente de energia importada, haverá rupturas nos transportes que provocarão rupturas no trabalho e nas entregas aos armazéns.
O pânico estará na ordem do dia.
Será que as propriedades agrícolas serão atacadas? Será que os aprisionados em cidades recorrerão a tumultos e saqueio?
Será este o provável futuro que o "nosso" governo e as "nossas patrióticas" corporações criaram para nós?
Para tomar uma frase emprestada de Lenine: "O que fazer?"
Eis o que pode ser feito. As guerras, as quais não beneficiam ninguém excepto o complexo militar-segurança e a expansão territorial de Israel, podem ser imediatamente finalizadas. Isto reduziria o défice do orçamento dos EUA em centenas de milhares de milhões de dólares por ano. Mais centenas de milhares de milhões de dólares podiam ser poupados cortando o resto do orçamento militar, o qual na sua actual dimensão excede os orçamentos somados de todas as potências militares sérias sobre a terra.
O gasto militar dos EUA reflecte o insustentável, inatingível e enlouquecido objectivo neoconservador do Império estado-unidense e da hegemonia mundial. Quem louco em Washington pensa que a China vai financiar a hegemonia dos EUA sobre a China?
O único meio de os EUA terem outra vez uma economia é trazerem de volta os empregos deslocalizados. A perda destes empregos empobreceu americanos enquanto produzia ganhos super-avantajados para a Wall Street, accionistas e executivos corporativos. Estes empregos podem ser trazidos para a casa a que pertencem tributando corporações de acordo com o lugar onde é acrescentado valor ao seu produto. Se o valor aos seus bens e serviços fosse acrescentado na China, as corporações teriam uma taxa fiscal elevada. Se o valor aos seus bens e serviços fosse acrescentado nos EUA, as corporações teriam uma taxa fiscal baixa.
Esta mudança na tributação corporativa compensaria o trabalho barato estrangeiro que tem sugado empregos para fora da América e reconstruiria as escadas da mobilidade ascendente que fizeram da América a sociedade da oportunidade.
Se as guerras não forem travadas imediatamente e os empregos trazidos de volta para a América, os EUA estão relegados ao caixote de lixo da história.
Obviamente, as corporações e a Wall Street utilizariam o seu poder financeiro e as contribuições de campanha para bloquear qualquer legislação que reduzisse rendimentos e bónus a curto prazo ao trazer empregos de volta para americanos. Os americanos não têm maiores inimigos do que a Wall Street, as corporações e os seus prostitutos no Congresso e na Casa Branca.
Os
neocons aliados com Israel, os quais controlam ambos os partidos e grande parte dos media, viciados no
ecstasy [3] do Império.
Os Estados Unidos e o bem-estar dos seus 300 milhões de habitantes não podem ser restaurados a menos que os
neocons, a Wall Street, as corporações e os seus escravos servis no Congresso e na Casa Branca possam ser derrotados.
Sem uma revolução, os americanos serão história.
Paul Craig Roberts
Foi editor do Wall Street Journal e secretário assistente do Tesouro dos EUA.
[1] Banksters: A palavra vem de banqueiros+gangsters
[2] Wal-Mart e Neiman Marcus: cadeias de lojas para pobres e menos pobres, respectivamente.
[3] Esctasy: Estupefaciente, methylenedioxymethamphetamine (MDMA). Foi utilizado pela primeira vez em tratamentos psicoterapeuticos experimentais. Em 1985 foi tornado ilegal nos EUA.
Fonte - Global Research
Tradução -Resistir.info
FAQ
Nota DDP: Procurando separar o eventual viés político da análise e, considerando-se as possibilidades no tema, especialmente a de perda do "status" de domínio americano no cenário mundial, além do papel profético da atual maior potência do planeta (ainda causa espanto a afirmativa de que o orçamento militar americano é maior que a soma de todas as demais potências mundiais neste segmento), a primeira pergunta que fica seria: até quando? E no caso de a análise se viabilizar no plano fático, a profecia não haveria de se cumprir antes da "morte" da América? Caso realmente venha a se consumar a queda, haveria uma nova e futura subida ao poder? O tempo dirá.