Karachi, Paquistão, 18/8/2010 – “Se isto não é a ira de Deus, o que é?”, perguntou o taxista paquistanês Bakht Zada, de 40 anos, com relação às inundações que acabaram com todos os seus bens. No diálogo com a IPS, da cidade de Madyan, em Khyber Pakhtunkhwa (ex-província da Fronteira Nordeste), Bakht culpou as forças sobrenaturais pelas piores inundações no país em 80 anos, mas os especialistas em meio ambiente debatem se estas estão vinculadas a um fenômeno muito mais terreno, a mudança climática.
As inundações, que começaram no dia 12 de julho com chuvas excepcionalmente fortes, já afetaram cerca de 20 milhões de paquistaneses, segundo o governo, e mataram 1.600, além de causar danos a enormes áreas de terras agrícolas, base da economia. O governo, as agências humanitárias internacionais e organizações beneméritas locais continuam enfrentando o desastre, que primeiro atingiu a região nordeste deste país asiático e agora afeta as províncias de Punjab, no leste, e Sindh, no sul.
A Organização das Nações Unidas (ONU) solicitou US$ 459 milhões para enfrentar esta situação, mas consegui compromissos de apenas 27% dessa quantia. Neste contexto, os especialistas tentam compreender instâncias recentes de eventos climáticos extremos. Na China, as inundações também mataram mais de 1.100 pessoas, enquanto uma onda de calor, com seca e incêndios, açoita a Rússia. Todos estes sinais parecem consistentes com o aquecimento global devido ao acúmulo na atmosfera de enormes quantidades de gases-estufa, como o dióxido de carbono.
“O aquecimento global causa eventos meteorológicos catastróficos. As recentes inundações são, sem dúvida, resultado da mudança climática”, insistiu Simi Kamal, geógrafa e especialista em água. “Temperaturas superiores às normais no Oceano Índico causam aumento das precipitações. No norte do Paquistão, quando correntes de ventos carregados de umidade se chocam com as montanhas e são impulsionados para altitudes mais frias, a umidade é liberada na forma de explosões de nuvens”, acrescentou Khalid Rashid, matemático e físico que estuda as mudanças nos padrões meteorológicos mundiais. “Isto é o que parece estar ocorrendo este ano”, afirmou.
Outros já se mostram cautelosos na hora de tirar conclusões categóricas sobre a ligação com a mudança climática, mas concordam que os padrões meteorológicos se alteraram, tornando-se mais extremos e imprevisíveis. “Os cientistas climáticos não podem estar seguros se as atuais inundações são um evento meteorológico extremo do atual padrão climático ou uma mudança nele”, destacou Ayub Qutub, especialista em manejo hídrico, radicado em Islamabad.
Inclusive Rajendra Kumar Pachauri, presidente do Grupo Intergovernamental de Especialistas sobre a Mudança Climática (IPCC), disse que é cientificamente incorreto vincular qualquer série particular de eventos com a mudança climática induzida pelos homens. Contudo, concordou que há evidências suficientes que mostram aumento na frequência e intensidade de inundações, secas e precipitações extremas em todo o mundo. “Inundações como as do Paquistão podem se tornar mais comuns e intensas no futuro, nesta e em outras partes do mundo”, disse à IPS.
Danish Mustafa, especialista paquistanês em temas hídricos e professor de geografia no King’s College, em Londres, reconheceu que padrões de monções “bastante incomuns” estão se tornando mais frequentes. Ejaz Ahmad, subdiretor do capítulo paquistanês do Fundo Mundial para a Natureza (WWF), vinculou as mudanças meteorológicas à “mudança nos padrões de uso da terra, ao forte desmatamento no norte do Paquistão e aos conflitos”, mais do que à mudança climática. De todo modo, concordou que ultimamente houve mais eventos meteorológicos “estranhos”.
“O Paquistão experimentou um período seco em março, praticamente sem chuvas, e a produção de trigo foi seriamente prejudicada. Depois, choveu em áreas que geralmente não são afetadas pelas monções, como Gilgit-Baltistão e Broghil. E a frequência dos ciclones também aumentou”, explicou Ejaz. Em 2007, “o ciclone Yemyin atingiu o país, e este ano tivemos o Phet. No passado, sofríamos ciclones” a cada década, disse.
Simi acrescentou que o aumento das temperaturas ajuda a acelerar o derretimento de geleiras como as do Himalaia, ao norte do Paquistão, que são o terceiro maior depósito mundial de gelo e neve. “Nossa região (Ásia meridional) está entre os principais pontos da mudança climática, e especialistas internacionais prevêem inundações e secas”, destacou.
O Himalaia tem origem na bacia tibetana, e também alimenta a bacia do Rio Indo. Este, que agora transbordou devido às inundações, atravessa o Paquistão antes de desembocar no Mar Arábico. Seu trajeto é de aproximadamente 3.180 quilômetros. “O aquecimento global planetário está muito mais rápido, causando eventos climáticos extremos. Não estou segura de que isto possa ser detido agora. Nem mesmo estou certa de que podemos nos adaptar tão rapidamente”, disse Simi.
O fato de o Paquistão não estar preparado para estes acontecimentos deixou pior as consequências das inundações, acrescentou Simi. A bacia do Indo sempre foi propensa a inundar, então, “porque simplesmente nos pegam de surpresa?”, perguntou. No entanto, Maurizio Giuliano, porta-voz do Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários em Islamabad, disse que o governo implementou alguns projetos, e que, do contrário, os efeitos teriam sido muito piores.
De todo modo, há lições a se aprender. “Precisamos que funcione o sistema telemétrico sobre o Rio Indo, que também terá de ser estendido para controlar as inundações em tempo real”, disse Danish. “A capacidade local deve ser fortalecida para estar na primeira linha de defesa na proteção e alívio em caso de inundações. O distante governo central não pode fazê-lo”, acrescentou.
Fonte - Envolverde