domingo, 29 de agosto de 2010

Direita radical ocupa centro de Washington

Nos seus comentários na estação de televisão Fox News, Glenn Beck costuma ser provocatório e muito crítico do Presidente Barack Obama. Nas suas intervenções, Sarah Palin é em geral pouco amável com o que aponta serem os erros da actual administração americana.

Mas ontem, em Washington, as mensagem anti-Obama foram tão suaves que nunca o nome do Presidente foi invocado.

No dia do aniversário do discurso de Martin Luther King em que o activista dos direitos civis falou do seu sonho, no mesmo local onde o reverendo discursou, os organizadores do comício para “restaurar a honra da América” usaram palavras vagas. A cerimónia foi, segundo a descrição da revista "Newsweek", “um misto de serviço religioso, tributo militar e seminário de auto-motivação”.

“Hoje é o dia em que a América regressa a Deus”, disse Glenn Beck, o popular comentador da Fox News que representa a direita ultraconservadora. O seu discurso andou depois à volta de fé, esperança e caridade. “Hoje vamo-nos concentrar nas coisas boas que a América tem, as coisas que conseguimos – e as coisas que podemos fazer amanhã.”
 
Já Sarah Palin falou de si como “mãe de um veterano de guerra” – o seu filho Track combateu no Iraque. O Exército, sentenciou, “é uma força do bem neste país, e não tem nada por que se desculpar”.

Depois Palin acabou por dar uma alfinetada a Obama: “Não devemos mudar a América na sua essência, como alguns querem”. “Temos de restaurar a América e a sua honra”, continuou, evocando o mote da manifestação.

Os oradores também mencionaram Martin Luther King (a coincidência da data, e Beck garante ter sido mesmo coincidência, com o aniversário do discurso do sonho de King, valeu fortes críticas aos organizadores). “Vocês são americanos”, exclamou Palin. “Vocês têm a mesma coluna vertebral de aço e a mesma coragem moral de Washington e Lincoln e Martin Luther King.”

Uma sobrinha de Martin Luther King, a activista anti-aborto Aveda King, também se dirigiu à multidão predominantemente branca. “Eu tenho um sonho de que a América vai rezar e Deus nos vai perdoar pelos nossos pecados.”
 
O comício “apolítico” teve lugar a nove semanas das eleições – numa altura em que alguns dos candidatos do Tea Party (o movimento que quer menos impostos que começou a fortalecer-se contra a reforma da saúde de Obama) ameaçam destronar nas primárias republicanos considerados demasiado centristas. Mas acabou por ser tão vago que poderia agradar a quase qualquer pessoa, diz a "Newsweek". Havia bandeiras americanas, gritos de “EUA! EUA!” Poderia agradar a qualquer pessoa, sim, mas qualquer pessoa que não tivesse o subtexto. Que, como explicou o sociólogo Charles Gallagher ao jornal "Christian Science Monitor", era um certo sentimento de muitos brancos americanos, que pensam ser a nova minoria, “um grupo que deve reclamar os seus próprios direitos”. Um desencanto comum em alturas de crise económica.

Uma participante numa outra manifestação comemorando o discurso de King que ocorreu perto, um pouco mais tarde, comentava ao Washington Post o que achava serem os motivos do comício de Beck: “Se não tivessem eleito um Presidente negro, acha que estavam a fazer isto hoje?”

As pessoas que assistiram ao discurso de Beck e convidados (os números variavam entre 500 mil e um milhão) iam indicando aos media as mais variadas razões para estarem ali (e muitas vieram de muito, muito longe): por fé, por serem fãs de Glenn Beck, por discordarem do rumo da América, por estarem contra as políticas de Barack Obama. Um casal explicava: “Estamos tristes com a percepção de que Obama está a pedir desculpa por tudo o que já fizemos”, disse o casal Adams, que veio de avião do Colorado.

Não havia quase placards com slogans políticos, como Glenn tinha pedido. Mas havia mensagens em T-shirts: “Recessão: quando o teu vizinho perde o trabalho. Depressão: quando perdes o teu trabalho. Recuperação: quando Obama perde o seu trabalho”. Ou ainda: “Consigo ver Novembro da minha casa”. Novembro é o mês das intercalares.

Fonte: Público

Nota O Tempo Final: publico esta notícia para memória futura. Mas se quiser, desde já, refletir sobre o seu conteúdo, sugiro que comece com esta expressão: “hoje é o dia em que a América regressa a Deus”...
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