Quando penso nos 17 milhões de adventistas em comparação com os 7 bilhões de pessoas que vivem no complexo mosaico de ideologias e religiões do nosso planeta, quase perco o ânimo. Como levar o evangelho a esse labirinto de ideias, uma vez que, como igreja, somos um grãozinho de areia na imensa praia de necessidades e desafios deste mundo?
Como se isso não bastasse, existe outra coisa ainda mais preocupante: o contraste entre a igreja de hoje e a igreja descrita em Atos 2:42-47. Não me refiro à discrepância numérica, mas à intrigante diferença entre a condição espiritual da igreja de hoje e a da igreja apostólica.
Ao pensar nisso, lembro-me de um belo sermão que ouvi, em novembro de 1983, na All Souls Church, em Langham Place, Londres. O pregador foi John Stott, autor de mais de 50 livros, dentre eles Entenda a Bíblia, Cristianismo Básico e A Cruz de Cristo. O texto do sermão foi o de Atos 2:42-47: Os cristãos “perseveravam na doutrina dos apóstolos e na comunhão, no partir do pão e nas orações. Em cada alma havia temor; e muitos prodígios e sinais eram feitos por intermédio dos apóstolos. Todos os que creram estavam juntos e tinham tudo em comum. Vendiam as suas propriedades e bens, distribuindo o produto entre todos, à medida que alguém tinha necessidade. Diariamente perseveravam unânimes no templo, partiam o pão de casa em casa e tomavam as suas refeições com alegria e singeleza de coração, louvando a Deus e contando com a simpatia de todo o povo. Enquanto isso, acrescentava-lhes o Senhor, dia a dia, os que iam sendo salvos.”
John Stott extraiu preciosas lições do texto acima, porém o que mais apreciei em sua mensagem foi a ênfase na necessidade de os cristãos modernos cultivarem o mesmo espírito de fraternidade da igreja nascente. Naquela noite, ao voltar para o Newbold
College, ignorei as luzes de Londres e das cidades de meu itinerário, a fim de continuar refletindo na abnegação, no desprendimento e no espírito de serviço dos primeiros conversos ao cristianismo.
Hoje, vinte e nove anos depois, penso na minha igreja, em minha própria condição espiritual e vejo que estamos longe do padrão divino. Quanto desinteresse pelas coisas eternas! Por isso, a moderna versão de Atos 2:42-47 tem sabor laodiceano:
Poucos membros da igreja perseveram na doutrina dos apóstolos e na comunhão, no partir do pão e nas orações. O temor de Deus está desaparecendo; são raros os milagres na experiência de pastores e líderes. Muitos membros estão desunidos e nada têm em comum. São relutantes em abrir mão de bens e propriedades em favor dos pobres e da igreja. Os templos, em sua maioria, estão vazios no domingo e na quarta-feira à noite. É escasso o espírito de solidariedade e serviço. Cada um vive para si. Por isso, é tímido o acréscimo de novos membros em comparação com o potencial dos 17 milhões de adventistas ao redor do mundo.
É por isso que estou perplexo. Estou triste porque essa mornidão espiritual virou rotina em nossos lares, nas igrejas e nos escritórios de nossas instituições. Como Deus está triste com essa mesmice! Se, por um lado, a complexidade da máquina da igreja impressiona por seu tamanho, por outro, frustra os observadores, por falta de viço espiritual.
Se você também não está feliz com essa condição de baixa espiritualidade da igreja, pense na experiência de Moisés no deserto de Midiã. Quarenta anos vivendo numa rotina sem graça, indo de um lado para outro, cuidando de ovelhas. Um dia, porém, Deus interrompeu a rotina daquele pastor fugitivo, que outrora fora príncipe na festiva corte egípcia. “Apareceu-lhe o Anjo do Senhor numa chama de fogo, no meio duma sarça” (Êx 3:2).
Cheio de curiosidade, Moisés quis se aproximar da sarça, mas Deus lhe pediu que guardasse distância.
Além disso, ordenou-lhe que tirasse as sandálias, porque aquele lugar era “terra santa” (v. 5). Finalmente, Deus o chamou para libertar do cativeiro egípcio o povo hebreu. Sentindo-se, porém, impotente, Moisés confessou: “Quem sou eu?” (v. 11).
Então, o Senhor lhe respondeu: “Eu serei contigo.”
Agora, vou mudar meu discurso: Estou perplexo, mas não desanimado. Por quê? Porque o EU SOU que tirou Moisés da rotina e, séculos depois, transformou um punhado de apóstolos e crentes em pessoas consagradas, pode tirar da zona de conforto os 17 milhões de membros da minha igreja, capacitando-os para cumprir uma missão que, sem a intervenção divina, seria totalmente impossível!
Rubens Lessa - Editor da RA
Fonte - Revista Adventista (Dez/12)
Nota DDP: O artigo levanta duas condições de perplexidade e se foca na análise da segunda, que em certo sentido se confunde com a primeira. Somos 17 milhões (?), mas é incontestável que JAMAIS terminaremos a pregação no contexto atual (tente cruzar o gráfico do crescimento populacional com o da pregação do Evangelho). Graças a Deus a liderança da Igreja na pessoa do Pr. Ted Wilson percebeu e começou a pregar sobre esta realidade, afastando a pretensão de que somos capazes desta empreitada SEM o derramamento do Espírito Santo, com meros expedientes humanos para este fim.
Jesus diz que "o Evangelho será pregado", não portanto que nós o pregaremos, mas que ELE o pregará através daqueles que estiverem disponíveis, pelo poder do Santo Espírito. E quando isso acontecerá?
Quando o estado espiritual da Igreja for o de Atos 2:42-47.
Reavivados e reformados, livres do mundo e de suas distrações, algo impossível nestes dias com os rumos que o povo de Deus tomou, rumo aliás que basta olhar para história de Israel para entender. Infelizmente o sistema que conhecemos terá que desabar para isso acontecer e, quando acontecer, que Deus nos conceda poder para não virarmos estátuas de sal.