Os “espíritos animais” aos quais Keynes se referiu estão à espreita por todos os Estados Unidos. E eles estão de mau humor. Esses espíritos estão cansados e encontram-se em situação difícil. As corporações estão armazenando dinheiro, quando têm algum dinheiro para armazenar, porque não estão acreditando na recuperação econômica.
Durante uma visita de uma semana, eu me deparei com um clima de profunda intranquilidade nos Estados Unidos que parece ter descambado para o tribalismo – não tribalismo étnico, mas sim político, econômico e social. A incerteza é generalizada. O resgate de Wall Street promovido pelo governo, aliado às sérias dificuldades de uma classe média que luta para sobreviver com salários estagnados ou em queda, fez com que aumentassem os ressentimentos.
Este não é um fenômeno momentâneo. Ninguém parece acreditar que o desemprego cairá significativamente do seu atual patamar de 9,6% - um nível mais associado à França – em um futuro próximo. O jeito é habituarmo-nos ao novo conceito de normal.
Eu conversei com um executivo aposentado de Wall Street que deixou o setor há alguns anos para criar uma pequena empresa na qual ele tem que lidar com folha de pagamento, mas onde está livre do debilitante pensamento de curto prazo das instituições financeiras. Um pensamento que, durante a sua carreira, passou a ser dominado por corretores “que observam oportunidades, e não condições, econômicas”.
Ele disse que a gota d'água foi em 2002. Executivos graduados do banco no qual ele trabalhava reuniram-se para discutir os seus bônus salariais. Na ocasião eles tinham diante de si duas opções: manter esses bônus em um momento de contração econômica, o que exigiria a demissão de 5% da força de trabalho, ou aceitar uma redução de 25% dos bônus, o que permitiria que aqueles empregos fossem preservados.
“O sujeito que chefiava a reunião pediu que aqueles que aceitariam uma redução dos bônus levantassem a mão”, disse ele. “Nós éramos 30 na sala de reunião. Apenas três ergueram a mão. Eu fui um destes”.
As demissões ocorreram, este executivo deixou a companhia, e atualmente o banco ainda está tentando se recuperar dos resultados dos seus excessos descontrolados.
Os Estados Unidos são uma terra de associações. A solidariedade não desapareceu do país. Mas ela está diminuindo. Todos aqueles que desejavam preservar o seu delicioso dinheiro já eram ricos.
A fragmentação domina o cenário. O mercado de ações costumava ser um indicador confiável da situação econômica. Mas agora o que se pode ver é um mercado de corretores, e não de investidores. Essa gente quer saber qual é o spread de hoje e de amanhã; eles conseguem ganhar dinheiro tanto nas altas quanto nas quedas da bolsa; e eles se importam muito menos com a U.S.A. Inc.
Assim, o mercado continua seguindo o seu curso – ultimamente em alta, mas tipicamente sem direção (o que torna mais difícil a vida daqueles corretores de altos e baixos) – enquanto em Main Street (termo informal para designar o mundo do cidadão comum, em contraste com Wall Street) a luta pelo pão de cada dia continua. Os indivíduos trabalham em jornadas mais longas, fazem malabarismos para atender às necessidades dos filhos, buscam maneiras de se desalavancarem um pouco – e ainda estão dispostos a “consumir” pelo bem da economia.
A parcela da renda nacional que está nas mãos do grupo formado por 1% das famílias norte-americanas mais ricas dobrou nas últimas décadas, chegando a 20%. Isto representou uma grande mudança. Eu conversei com Doug Severance, um veterano da guerra do Vietnã que é funcionário de um hotel em Aspen, no Estado do Colorado. “Quando eu me mudei para cá, em 1984, éramos uma só família”, diz ele. “Hoje em dia há apenas dois grupos: o dos que chegam em um Lear Jet e o dos criados”.
A esperança em Obama dissipou-se em pouco tempo. Não se pode culpá-lo inteiramente, mas ele não é inteiramente inocente. A exclamação de Velma Hart, uma apoiadora negra de Obama, em uma recente reunião com o presidente na prefeitura de uma cidade - “Estou exausta de tanto te defender” - ficou nacionalmente famosa porque muita gente está sentindo a mesma coisa.
Tendo vindo do Reino Unido, o que mais me impressionou foi a incerteza. Isto é simplesmente a pior coisa para a economia de um país. Conforme me disse um executivo de Chicago, as pessoas criativas erguem-se acima de um conjunto de regras consistentemente aplicadas. A falta de transparência mata.
O Reino Unido passou por problemas econômicos semelhantes após fases de muitos gastos – problemas como dívidas pessoais e nacional e déficits crescentes. Mas o primeiro-ministro conservador David Cameron e os seus parceiros liberais-democratas colocaram de fato o bipartidarismo para funcionar – será que algum republicano percebeu isso? Eles estão almejando cinco anos de estabilidade por meio de uma nova lei e cortes dolorosos em todos os departamentos governamentais.
Cinco anos é um período respeitável. Mas nos Estados Unidos de hoje, as preocupações com períodos de apenas um trimestre são características até mesmo um chefe executivo visionário.
O debate político nos Estados Unidos está em queda livre. Ninguém sabe se haverá mais estímulos fiscais, após os primeiros US$ 787 bilhões (R$ 1,35 trilhão), nem como terminará a discussão sobre impostos. Segundo uma proposta de Barack Obama, as reduções de impostos da era Bush deverão terminar no final do ano para os casais afluentes e proprietários de pequenas empresas que ganham mais de US$ 250 mil (R$ 428 mil) anuais. Os republicanos estão resistindo, afirmando que é loucura aumentar impostos em uma economia combalida.
Mas não é loucura alguma. Acabar com as reduções de impostos para os ricos é um sinal mínimo para uma terra dividida, uma declaração de que os dois Estados Unidos se conhecem. Mas neste momento em que Barack Obama depara-se com uma dolorosa possibilidade de derrota nas próximas eleições parlamentares, parece ser improvável que tal medida gere resultados. Acima de tudo, o mais necessário é alguma clareza e senso de direção – daquele tipo proporcionado por Cameron em Londres e que a próspera China aplica todos os dias.
Sem isso, podemos esperar que os espíritos animais mantenham-se à espreita, que os Estados Unidos continuem olhando para si próprios e tendendo ao encolhimento e que o conceito de novo normal dure ainda bastante tempo.
Fonte - UOL