A decisão do primeiro-ministro russo, Vladimir Putin, de estender a proibição da exportação de cereais até depois da colheita do próximo ano (novembro de 2011) provocou o temor de uma nova crise alimentar mundial.
A Organização para Alimentação e Agricultura (FAO) da ONU convocou na sexta-feira uma reunião, que se realizará em Roma no próximo dia 24, para tentar controlar os preços dos alimentos básicos. "Nas últimas semanas o preço do trigo no mercado global experimentou um súbito aumento diante do temor de que haja escassez", disse um porta-voz da FAO, ao anunciar que o objetivo da reunião é que os países exportadores e os importadores busquem "soluções construtivas" para a tensão que vivem os mercados.
Moçambique, um dos países mais pobres do mundo, foi o primeiro a sofrer uma explosão de violência devido à carestia dos alimentos básicos. As tropas patrulham desde quarta-feira as ruas de Maputo e ontem novamente enfrentaram com gás lacrimogêneo e balas de borracha uma multidão que havia sido convocada por SMS para protestar contra o aumento de 30% no preço do pão. Duas pessoas ficaram gravemente feridas. Somam-se às sete vítimas fatais de quarta-feira - incluindo duas crianças - e outros 250 feridos.
O governo realizou na sexta uma sessão de emergência, depois da qual afirmou que o aumento do preço do pão é "irreversível". O Executivo pediu calma aos 23 milhões de habitantes, dois terços dos quais vivem com menos de 1 euro por pessoa/dia. Além disso, exigiu que se abstenham de participar de atos de protesto, de vandalismo ou saques, e acrescentou que investigará de onde provêm os SMS com os quais os manifestantes foram convocados.
Esses são os protestos mais violentos que sacodem Moçambique desde 2008, quando houve quatro mortos em manifestações contra a inflação nos preços dos alimentos básicos.
A Rússia, quarto exportador de trigo, proibiu em 15 de agosto passado e até 31 de dezembro as vendas ao exterior para conter a pressão inflacionária interna. A colheita deste ano foi desastrosa, devido a uma seca inusitada, situação que em alguns lugares foi agravada pela onda de incêndios florestais que atingiu o país. Agora os prognósticos para a colheita deste ano são de 60 milhões de toneladas - o consumo interno é de no mínimo 70 milhões -, contra os 90 milhões que se pensava colher. No ano passado a colheita foi de 97 milhões, dos quais a Rússia exportou um quarto, apesar de estar longe dos 108 milhões de toneladas colhidas em 2008.
O cereal que já começou a escassear na Rússia é o trigo sarraceno, que desapareceu da maioria das lojas e cujo preço triplicou. É um produto básico sobretudo para as camadas mais humildes da população russa. A seca atingiu duramente a região do Volga, que produz 40% dessa planta. Por isso os especialistas calculam que sua colheita este ano será de apenas 400 mil toneladas, contra um consumo de 700 mil.
No melhor dos casos, a proibição de exportar será suspensa em julho-agosto de 2011, quando se tiver um panorama mais ou menos claro da futura colheita e dos volumes que poderão ser destinados ao estrangeiro, indicou Arkadi Zlochevski, presidente da União Cerealista. O déficit afeta de todo modo os cereais destinados à ração animal, com o que se teme que os preços da carne também subam. A isto soma-se o aumento da demanda por produtos de carne na China e na Índia, o que propicia a inflação. Desde o início de julho, o preço do trigo no mercado internacional aumentou 47%, o do milho 26% e o do arroz 15%. As autoridades russas tentam tranquilizar a população afirmando que não haverá escassez de alimentos, ao mesmo tempo que ameaçam punir os que elevarem os preços de maneira injustificada.
Fonte - Bol
Nota DDP: Veja também "Crescem as preocupações quanto ao suprimento mundial de alimentos".