Há anos, o fato de a CIA e os militares americanos prenderem suspeitos que representam qualquer tipo de ameaça aos EUA em outros países, e de levá-los para Guantánamo Bay ou outras prisões secretas em vários lugares do mundo, nunca incomodou muito a maioria da população americana. Mas, agora, qualquer americano pode amargar o mesmo remédio dentro de casa — culpado ou inocente, como no caso dos estrangeiros.
Com essa decisão da Justiça, as discussões na comunidade jurídica passaram a girar em torno do conceito de “estado policial”, em que os militares e os órgãos de segurança exercem o poder de polícia sobre a população, sem comprometimento com os princípios do “estado de Direito”.
Não se espera que o Judiciário se mantenha alheio à tentativa do Congresso e do presidente de “estabelecer a base jurídica para o estabelecimento do estado policial e a subjugação da cidadania americana, através da ameaça de prisão e detenção por tempo indefinido, sem direito a advogado, sem direito a confrontar os acusadores e sem o direito a julgamento”, escreveu à corte um grupo de advogados.
Na opinião dos advogados que representaram os demandantes, a decisão dos tribunais superiores coloca em risco os direitos fundamentais de qualquer “criador de caso” (como jornalistas) que, segundo as autoridades federais, possam ter qualquer envolvimento com “terroristas”.
Mobilização
O processo em questão foi movido por um grupo de pessoas e diversas organizações, sob a liderança do jornalista Chris Hedges, um ex-repórter do New York Times, que ganhou um Prêmio Politzer em 2002 por seus trabalhos na “cobertura do terrorismo global”, e a jornalista investigativa islandesa Kristinn Hrafnsson, porta-voz da Wikileaks, alegam que as autoridades federais podem prendê-los a qualquer tempo, por exercer seus direitos constitucionais de informar.
Entre os demandantes também estão nomes conhecidos por suas obras e por sua luta em favor das liberdades individuais, como Daniel Ellsberg, Jennifer Bolen, Noam Chomsky, Alex O’Brien, Kai Warg All e Brigitta Jonsottir, além de alguns parlamentares. E há uma grande variedade de organizações que não têm qualquer relação umas com as outras, nem mesmo de posicionamento político.
Todos buscaram a Justiça na esperança de conseguir uma declaração de inconstitucionalidade da Lei de Autorização da Defesa Nacional. Essa lei especifica o orçamento e as despesas do Departamento de Defesa dos Estados Unidos, mas também traz outros dispositivos, como o de conferir autoridade aos militares para exercer determinadas ações relativas à segurança nacional.
Inimigo interno
A lei é reeditada pelo Congresso todos os anos. A edição de 2014 foi aprovada no Senado em um momento em que o país estava distraído com um escândalo, depois de passar, quase sem ser notada, pela Câmara dos Deputados.
A lei não se refere a americanos como “terroristas”. Usa a expressão “extremistas domésticos”, um neologismo que ameniza a terminologia mais dura, para não deixar a impressão que os EUA têm terroristas. Mas condena explicitamente aqueles que se associarem a terroristas ou darem qualquer suporte a organizações terroristas.
Como a lei é vaga, ela é descrita como uma “espada de Dâmocles” sobre a cabeça de qualquer americano que ameace a segurança nacional. Pode ser, por exemplo, um cidadão que divulgue informações ou documentos que coloquem o governo americano em maus lençóis — como o que fez Edward Snowden, o ex-agente de segurança que divulgou milhares de documentos oficiais da Agência Nacional de Segurança (NSA) dos EUA.
“É uma lei claramente inconstitucional”, disse Hedges aos jornais. “É um enorme e grave assalto à democracia. Ela subverte 200 anos da legislação que mantém os militares fora das políticas domésticas do país”.”
“A Suprema Corte não teve coragem de confrontar o Congresso e o governo para proteger os cidadãos americanos contra detenção militar. O governo ganhou e, assim, criou um momento trágico para o povo americano. Algum dia isso será visto como uma vergonha para a Suprema Corte”, disse o presidente do Instituto Rutherford, John Whiteehad.
Há precedentes de detenção em massa. Em 1944, durante a Segunda Guerra Mundial, o governo dos EUA prendeu e colocou em campos de concentração milhares de japoneses-americanos. E fez isso com as bênçãos da Suprema Corte, no caso Korematsu v. United States.
Para os críticos da lei, o governo Obama pode negar que haverá prisões indiscriminada de cidadãos americanos, porque a história mostra que o governo americano não é avesso a fazer isso.
Fonte - Conjur