Porto Príncipe HAITI – A fome chegou aos portões do palácio presidencial do Haiti; se disseminou pelas ruas, queimou pneus e enfrentou até mesmo os soldados e a polícia. A falta de comida derrubou o primeiro-ministro do país.
A fome no Haiti, aquele familiar vazio na barriga que tantos sentem por aqui, atingiu nos últimos dias índices cruéis, na medida em que o preço dos alimentos pelo mundo disparava, batendo um recorde de até 45% desde o final de 2006. Isso fez com que mantimentos básicos do país, como feijão, arroz e milho, se transformassem agora em raros tesouros entre a população.
Cada uma das crianças da Saint Louis Meriska comeu duas únicas colheres de arroz recentemente, e depois passaram todo o dia sem qualquer alimento. O pai, também faminto e muito abatido, disse em tom de desespero: “eles olham para mim e dizem ‘papai, estou com fome’, e tenho que desviar o olhar. É humilhante e faz com que você fique revoltado”.
Essa revolta é evidente por todo o mundo. A crise dos alimentos não é apenas sentida entre os pobres, mas também corrói as rendas da classe média e de trabalhadores, espalhando níveis de descontentamento e colocando novas pressões em governos frágeis.
No Cairo, Egito, o exército agora assa vários pães por dia, à medida que o preço dos alimentos ameaça desencadear uma onda de revoltas e protestos contra um governo controlador. Em Burkina Faso e outras partes da África subsaariana, as chamadas “rotas dos alimentos” são agora mais comuns que nunca. Na relativamente próspera Malásia, o governo de coalizão quase foi expulso por eleitores, preocupados com a alta dos preços de alimentos e combustível.
“É a pior crise deste tipo dos últimos 30 anos”, disse Jeffrey D. Sachs, economista e conselheiro especial do secretário geral da ONU, Ban Ki-moon. “É um grande problema e obviamente afeta vários governos. Muitos destes que estão com a corda no pescoço. Eu penso que há ainda mais distúrbios políticos por vir”.
Mas especialistas dizem que há poucas soluções rápidas para uma crise relacionada a tantos fatores, que vão de uma intensa demanda por comida, especialmente em economias emergentes como a China, até o aumento do preço do petróleo e os vários alimentos que são utilizados na produção de biocombustíveis.
Na Ásia, governos estabelecem agora medidas para limitar o armazenamento de arroz, após alguns comerciantes entraram em pânico com a subida dos preços e compraram tudo ao seu alcance.
Mesmo na Tailândia, que produz 10 milhões de toneladas a mais de arroz do que consome e é a maior exportadora mundial, supermercados estabeleceram limites de compras aos compradores do produto.
Há um grande nervosismo e uma forte confusão sobre como produzir melhor as políticas e de quão prejudicial será o impacto no final das contas, particularmente com os governos já lutando pela manutenção de seus subsídios à produção de alimentos.
Fonte - Último Segundo