quarta-feira, 6 de setembro de 2006

As cores do mundo

O desafio da democracia é saber lidar com a alteridade
por Aline Pinheiro

O advogado e ex-secretário de Justiça de São Paulo Hédio Silva Júnior, 46 anos, é um militante em defesa das minorias. Sua missão é fazer valer o que manda a Constituição: todos têm direitos iguais. Nessa batalha, não está sozinho. Ele reconhece que o grande desafio da democracia no mundo é lidar com a diversidade.

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Conjur — Outro problema que o Judiciário tem se confrontado é a questão religiosa. Por exemplo, já teve de decidir, por diversas vezes, se autorizava adeptos da Igreja Adventista a fazer provas em outro dia, menos no sábado, dia sagrado para eles. Como um país laico, o Brasil tem de levar restrições religiosas em conta?

Hédio Silva Junior — No Brasil, a maioria dos feriados são católicos. Ou seja, o país já leva em conta crenças religiosas. Formalmente, o Estado é laico, mas a própria Constituição adota alguns termos que revelam a prevalência de uma dada religião. A primeira Constituição da República, de 1891, foi mais radical ao separar religião e Estado, mas isso não impediu Getúlio Vargas de inaugurar o Cristo Redentor, construído com dinheiro público. Embora exista a norma, que é a da separação entre Estado e religião, as pessoas ainda têm o legado da época em que o Estado era confessional. Basta entrar numa repartição pública e encontrar lá um símbolo religioso. Existem brilhantes constitucionalistas afirmando que a referência a Deus no preâmbulo da Constituição [...promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição...], teria uma força normativa maior do que o artigo da Constituição que determina que o Estado brasileiro seja laico. Já ouvi dizer que, como há referência a Deus, o Estado é confessional. Por favor, a Constituição é clara: o Brasil é laico e o Estado não pode promover o fato religioso. Mas a Constituição estabelece que o Estado tem de proteger o fato religioso. A distinção básica é essa.

ConJur — É possível garantir direito das minorias religiosas sem cair no erro de criar uma regra para cada crença?

Hédio Silva Junior — A resposta está na própria Constituição. O artigo 5º diz que ninguém será privado de direitos por motivos de confissão religiosa, salvo se não cumprir a obrigação a todos imposta e nem a obrigação alternativa. Os adventistas querem poder fazer provas em períodos que não sejam do anoitecer de sexta-feira até sábado. Se há uma prevalência tão grande de uma determinada religião na definição dos dias que são considerados sagrados, me parece absolutamente razoável que outros grupos que tenham outros preceitos religiosos sejam igualmente considerados.

Conjur — O senhor representa as religiões afro-brasileiras na disputa por um direito de resposta na Record [as religiões afirmam que a emissora discrimina suas crenças]. Como deve ser estabelecido esse limite entre ofensa ao direito de crença e liberdade de expressão?

Hédio Silva Junior — Neste caso, temos um precedente importante no Supremo Tribunal Federal, quando analisou o caso de um editor de livros do Rio Grande do Sul, acusado de racismo contra os judeus. O STF entendeu que a liberdade de expressão não é um direito absoluto. Dentro do sistema democrático, não existem direito absolutos. Veicular preconceito, intolerância, discriminação é abusar dessa liberdade de expressão. As religiões afro-brasileiras reclamam que determinados programas religiosos na TV, para afirmar a sua verdade, desqualificam e incitam o preconceito contra as outras religiões. Um veículo de comunicação pode pregar uma religião, mas não pode induzir o espectador ao preconceito. A meu ver, o precedente do Supremo é cristalino. Essa questão das religiões afro-brasileiras é um marco histórico: é a primeira vez que é pedido um direito de resposta coletivo. As religiões não querem dinheiro. Querem apenas poder dizer a verdade sobre as suas crenças.

http://conjur.estadao.com.br/static/text/44128,1
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