quarta-feira, 6 de setembro de 2006

Por uma nova geopolítica (2/3)

Edição Nº 49 - junho de 2006

Por uma nova geopolítica
Jeffrey Sachs

Danos ecológicos das atividades econômicas podem definir um futuro de guerras

Toda era tem seus próprios temas dominantes de política global. O século XIX tinha a política da industrialização e do império. A primeira metade do século XX se curvou às guerras mundiais e à depressão econômica. A segunda metade foi assombrada pela Guerra Fria. A nossa era, em minha opinião, será dominada pela geopolítica da sustentabilidade.

O desenvolvimento econômico tornou-se um fenômeno global generalizado, a não ser na África subsaariana e em alguns outros pontos irredutíveis de pobreza. Mas até essas áreas empobrecidas ao extremo provavelmente conseguirão alguma melhora no desempenho econômico com ajuda internacional e a aplicação de tecnologias do tipo "melhor opção". O total geral dos resultados econômicos mundiais, a cada ano ajustado conforme diferenças no poder aquisitivo dos países e avaliado como Produto Mundial Bruto (PMB), no momento se aproxima dos US$ 60 trilhões. Ao longo do século passado, o PMB cresceu 18 vezes no que diz respeito ao ajuste de preços.

Junto com esses resultados econômicos vieram tanto benefícios fenomenais - como o aumento da expectativa média de vida e o aperfeiçoamento dos serviços de saúde pública - quanto efeitos adversos que ameaçam o planeta, como a devastação maciça das florestas tropicais, mudanças climáticas provocadas pelo homem, competição violenta sobre os limitados recursos em forma de hidrocarbonetos e o aparecimento de novas doenças como sars. Até agora, os resultados favoráveis superaram os negativos. No entanto, como muitas das conseqüências ambientais das ações humanas são escondidas do público e dos relatórios sobre rendas nacionais, permanecemos sentados sobre autênticas bombas-relógio ecológicas.

Como sociedade globalmente interconectada, a nossa se vê agora diante das seguintes realidades: todos os ecossistemas importantes, marinhos ou terrestres, estão sob intensa pressão; a economia mundial está devastando a biodiversidade da Terra, as reservas de pesca oceânica, as manchas verdes do planeta, as florestas tropicais, as reservas de gás e petróleo. Estamos alterando o clima maciça e rapidamente. Todas essas tendências estão ocorrendo num planeta de 6,5 bilhões de habitantes, com atividades econômicas já insustentáveis do modo como continuam a ser praticadas. No entanto, com os sucessos econômicos que agora impulsionam Índia e China e o contínuo crescimento da população mundial, estamos a caminho de nos tornar 9 bilhões de terráqueos, com um PMB de talvez US$ 275 trilhões, por volta da metade deste século.

Sem novas tecnologias e nova geopolítica não chegaremos lá. A escassez de hidrocarbonetos pode levar à guerra, a não ser que desenvolvamos alternativas energéticas, além de maneiras mais seguras de usar as vastas reservas de carvão que nos restam. A malsinada Guerra do Iraque conta exatamente como uma dessas disputas por petróleo, e suas conseqüências desastrosas apontam para a urgência de novas abordagens globais quanto à questão energética. Ecossistemas marinhos insubstituíveis serão destruídos, a não ser que aprendamos a desenvolver culturas aquáticas ecologicamente sadias e a desacelerar a acidificação dos oceanos promovida pelo homem. Mais furacões como o Katrina arrasarão nossas economias de base costeira, ao mesmo tempo que eventos climáticos extremos continuarão a aumentar em freqüência, intensidade e impacto humano. Mais desastres humanitários como os de Darfur, no Sudão, resultarão da escassez de água em regiões áridas.

Maiores demandas globais de produção de alimentos levarão à devastação maciça da Floresta Amazônica e de outras, a não ser que hábitos alimentares e processos agrícolas mudem drasticamente.
Nossa política global ainda não está adaptada aos desafios da sustentabilidade. As superpotências gastam muito mais à procura de vantagem militar e econômica de curto prazo do que em honrar acordos internacionais sobre biodiversidade, clima, desertificação e outras questões fundamentais que contarão muito mais para nosso bem-estar em décadas futuras. Se não enfrentarmos honestamente esses problemas, terrorismo e guerras serão coisas comuns.

O desenvolvimento é generalizado, mas a política global ainda não está adaptada aos desafios da sustentabilidade

Jeffrey Sachs É DIRETOR DO INSTITUTO TERRA, DA UNIVERSIDADE COLUMBIA, E DO PROJETO MILLENIUM, DAS NAÇÕES UNIDAS.


http://www2.uol.com.br/sciam/conteudo/editorial/editorial_33.html
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