A nevasca sem paralelo nos últimos 18 anos que mergulhou o Reino Unido no caos na última semana tem a mesma origem das chuvas que causaram a tragédia em Santa Catarina e da onda de calor que sufoca os australianos. E, embora não seja possível pôr a culpa no aquecimento global, instabilidades desse tipo tendem a ficar mais frequentes no futuro.
Previsto para ser um dos cinco anos mais quentes já registrados, 2009 começou gelado para os europeus e boa parte dos norte-americanos.
"O frio foi excepcional. Temperaturas negativas por vários dias seguidos são incomuns em Paris", disse o músico brasileiro Guilherme Carvalho, que mora há oito anos na capital francesa. "No canal de La Villette, vi uma placa: "Perigo -não ande no gelo", coisa que nunca tinha visto antes."
"Estamos há uma semana sem energia aqui e com temperaturas abaixo de zero. Há muita gente desabrigada", escreveu de Louisville (Kentucky, EUA) o linguista Daniel Everett. O Estado registrou 27 mortes pela nevasca e foi decretado área de calamidade pública pelo presidente Barack Obama.
O frio levou comentaristas da direita americana ao inevitável questionamento do aquecimento global. Afinal, se o mundo está esquentando, por que o inverno setentrional de 2009 chegou dessa forma?
Nada com o que se espantar, dizem os meteorologistas. Na média, 2009 ainda deve ser quente. "O ano ainda não acabou", diz José Marengo, do Centro de Previsão do Tempo e Estudos Climáticos do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).
Segundo Pedro Leite da Silva Dias, diretor do Laboratório Nacional de Computação Científica, os extremos do final de 2008 e do começo deste ano podem ser explicados por duas causas imediatas.
A primeira é o fenômeno La Niña, nome dado ao resfriamento anormal das águas do oceano Pacífico. Como sua cara-metade, o El Niño, (o aquecimento anormal do Pacífico), o La Niña é sazonal e, quando se instala, é uma das forças dominantes nas condições climáticas do planeta. Há um La Niña instalado desde 2008, e ele não deve sumir antes de abril.
Pedra na água
A outra causa são chuvas intensas sobre a região da Indonésia desde o fim de 2008. "Onde chove, ocorre liberação de muita energia para a atmosfera, como se fosse jogada uma pedra na água", afirma Dias. "A energia é propagada na atmosfera, como ondas na água, e forma padrões de ondas que atingem zonas remotas."
Parte dessas ondas se propaga pelo hemisfério Norte, da América para a Europa. Parte se dissemina pelo hemisfério Sul. "Portanto, as anomalias na Austrália e as anomalias na América do Sul, como as chuvas de novembro em Santa Catarina e depois em Minas, Rio e Espírito Santo, estão todas correlacionadas", afirma o cientista.
A relação disso tudo com o aquecimento global é mais sutil. Segundo Michel Jarraud, da Organização Meteorológica Mundial, as pessoas tendem a confundir tempo (condições específicas da atmosfera num dado momento) e clima (condições gerais, no longo prazo).
"Todo ano você tem padrões excepcionais de tempo e lugares onde recordes são quebrados", disse Jarraud numa entrevista coletiva no fim do ano passado. "Se você tem ar mais frio em algum lugar, você tem de ter ar mais quente em algum outro lugar. A temperatura média da Terra é a mesma."
O aquecimento global não significa que não haverá mais invernos frios, mas sim que eles serão menos frequentes. "Não é algo que você espera que seja mais quente e mais quente", afirma Marengo, do Inpe. O que existe é uma elevação contínua da temperatura média.
Marengo lembra ainda que o aquecimento global é composto por dois tipos de influência, ou "sinal": as antropogênicas, ou seja, causadas por atividades humanas, e as naturais. Há um cabo-de-guerra entre ambas.
"Nos dois últimos anos, tivemos temperaturas mais baixas do que no final do século 20. Pode ser que a variabilidade normal do clima esteja mais forte que o sinal antropogênico agora, mas no longo prazo o sinal dos gases-estufa é mais forte", diz o climatologista.
Fonte - Folha