Depois de uma “seca de estrada” de quase seis meses, passei a última semana em Moçambique, fazendo matérias e trocando o frio e a secura de Johannesburgo pela latinidade de Maputo. Moçambique, com sua atmosfera despreocupada e despretensiosa, é a Bahia com sotaque português. Mas lá, ao contrário do Brasil, a independência recente ainda é óbvia: nos prédios, na forma de pensar – tanto de moçambicanos quanto de portugueses –, e nas conversas, que são invariavelmente salpicadas pela expressão “nos tempos coloniais”.
Ao andar por Maputo, você vai vendo pedacinhos da história: a arquitetura, a língua, os cardápios revelam os laços com Portugal; os nomes das ruas – Av. Vladimir Lenine, Av. Ho Chi Min, Av. Mao Tsé Tung – denunciam o passado socialista.
Moçambique é hoje um dos países mais pobres do mundo e um dos últimos no Índice de Desenvolvimento Humano das Nações Unidas – o 171º colocado de 177 países avaliados. Como se não bastasse, é lá que está uma das soroprevalências mais altas da África austral. Média nacional é de 16%, com picos de 25% em determinadas regiões. Com esses números, não é de se espantar que ONGs de todos os tamanhos e nacionalidades tenham invadido o país, com iniciativas variadas, principalmente de distribuição de anti-retrovirais. O que parece ótimo a princípio, mas que nem sempre funciona: de que adianta distribuir ARVs se as pessoas não têm dinheiro para ir até o posto de saúde buscá-los?
Setenta por cento da população de Moçambique é rural e a maioria tem que andar quilômetros incontáveis até achar uma clínica. De que adianta dar remédios se as pessoas não têm o que comer, o que é pré-requisito para o sucesso do tratamento? O tiro acaba saindo pela culatra: como os remédios são superfortes e dão uma fome monstra, sem comida muita gente interrompe o tratamento e acaba desenvolvendo resistência aos medicamentos. Entrevistei uma moça HIV+ cuja filha de 7 anos, também soropositiva, vive desmaiando na escola, porque os medicamentos são uma bomba e sem comida, ela não agüenta os efeitos.
Visitei um hospital-dia na região da Machava, na periferia de Maputo, mantido pela Comunidade Santo Egídio, uma organização religiosa italiana. Lá fora, numa sala de espera improvisada ao ar livre, tinha uma menina magrinha, magrinha, que parecia ter seus 13 anos. Pensei: essa menina começou a vida sexual cedo, para já ter o vírus tão novinha. A médica depois me disse que a moça na verdade tinha 23 anos. Estava tão fraca que parecia uma criança. Depois dela, um rapaz de seus vinte e poucos anos chegou para ser atendido, amparado pela mãe: 1,80 m e no máximo 40 quilos. Me senti presenciando o início da epidemia, com aquelas pessoas reduzidas a pele e osso. Aí você se pergunta: como é que em 2008, no 25º ano da epidemia, com todo o conhecimento e tantos anti-retrovirais disponíveis, alguém deixa a doença chegar nesse estágio?
Infelizmente, ainda não consegui achar uma resposta. Por exemplo, muita gente tem medo de fazer o teste de HIV. Mas pense: se você suspeita que tem o HIV, ou teve um comportamento promíscuo ou de risco, ou sabe que seu marido tem namoradas por aí com quem transa sem camisinha, não ia querer saber se está infectado? Afinal, quanto antes detectar e tratar a infecção, melhor, não? Não. As pessoas ainda têm pavor de se testar, por causa do estigma, porque acham que o diagnóstico positivo é sentença de morte.
O taxista que estava me choferando tinha um exemplo desses em casa: a filha de 26 anos, que morava na África do Sul, voltou dia desses para Maputo meio doente. Tinha manchas pelo corpo, uma tosse que não passava. Foi tratada por um curandeiro, melhorou. Voltou para Joburg. Dois anos depois ela voltou para Maputo, com menos de 30 quilos e completamente debilitada. Segundo seu Ezequiel, a família levou a menina para o hospital não para ela se tratar, mas para morrer com assistência médica. E nesse tempo todo, a moça não tinha se testado!
Todo mundo na África tem um conhecido, um vizinho, um parente que morreu de Aids. Todo mundo sabe o que significam os sintomas, mas ainda assim ela se recusou a se testar. O final dessa história é feliz, porque ela começou a tomar ARVs, se recuperou e hoje está "tão gordinha que você nem pensaria que ela tem HIV", como conta seu Ezequiel. Mas nem todo mundo que adia o teste tem essa sorte.
Os curandeiros também embolam o meio de campo na crise do HIV. Muitos moçambicanos nunca viram um médico na vida e só vão nos médicos tradicionais. Aí o curandeiro dá ervas, batata africana, aloe vera; as infecções oportunistas – diarréia, bolhas, herpes zoster, tuberculose – melhoram e a pessoa acha que está bem. Só que o fato de a diarréia ter parado não quer dizer que a carga viral esteja mais baixa ou que a contagem de CD4 (células de defesa) esteja mais alta. Quando o paciente chega no hospital, a Aids já está tão avançada que os anti-retrovirais não funcionam mais.
Em Moçambique existe uma iniciativa da Cruz Vermelha para promover um intercâmbio entre curandeiros e médicos, para que os curandeiros reconheçam os sintomas do HIV e encaminhem o paciente para os médicos. O problema é que, embora existam curandeiros que entendem os limites da medicina tradicional, outros (1) acreditam que os medicamentos tradicionais podem realmente curar a Aids; (2) tentam se aproveitar da situação e arrancam dinheiro do paciente, tratando uma doença que eles sabem que precisa de cuidados especiais; ou (3) pensam que a Aids é resultado de feitiço, por n razões: porque você não fez a missa para o seu avô, porque seu vizinho tem inveja de você, porque você não fez o ritual de purificação depois que seu marido morreu... Aí o doente vai atrás de fazer essas coisas e não faz nada em relação à doença.
Nesse contexto, como é que vai convencer os curandeiros de que eles têm que mandar pacientes com sintomas de Aids para o hospital? E como fazer com que as pessoas troquem a medicina tradicional pela convencional, sendo que o acesso a curandeiros é muito mais fácil e barato (uma consulta custa 100 meticais, menos de R$ 10)?
Seria de se esperar que num país em que quase 1 em cada 5 pessoas é soropositiva a Aids fosse vista com alguma normalidade. Não é. A discriminação ainda corre solta, muita gente é expulsa de casa e rejeitada pelos familiares depois do diagnóstico positivo. Entrevistei uma moça de 30 anos cujo marido morreu de alguma doença relacionada à Aids. Ela não acreditou quando seu resultado veio positivo, porque para ela a Aids era "doença de prostitutas" e ela nunca tinha tido ninguém além do marido. Foi abandonada pela família, não tem emprego, a sogra vendeu o terreninho que ela tinha e falou para o novo proprietário: “Deixe a Amélia ficar morando aqui nesse cantinho. Ela vai morrer logo e aí vai ser tudo seu”. O “problema” é que ela não morre. Toma ARVs e está saudável, apesar de não ter comida nem para ela nem para os dois filhos. Vive de favores de vizinhos.
Como ela não morre, o chefe do bairro resolveu fazer algo para que a vizinhança não ficasse com má fama: fechou a entrada da casa dela, escondendo a soropositiva e seu barraquinho. Levantaram um muro onde era entrada e agora ela tem que dar a volta pelo quintal do vizinho. E ninguém consegue fazer nada para ajudá-la.
Visitei também uma maternidade pra gestantes soropositivas, na região da Matola, periferia de Maputo. Imagine umas 30 mulheres, acompanhadas dos respectivos bebês ou com barrigões de 7, 8 meses, numa sala de espera pequena, sentadas nas cadeiras e no chão. Agora imagina que TODAS essas mães estão infectadas. Assustador, né? Pior: essas mulheres continuam ficando grávidas, mesmo estando com o vírus. Planejamento familiar é algo muito difícil na África, porque a fertilidade é vista não só como uma bênção dos deuses, mas também como sinal de virilidade. Então quanto mais filhos o cara tem, mais macho é. E a coitada da mulher continua transando sem camisinha, ficando grávida e correndo o risco de ser reinfectada.
E vai explicar que não é assim que deveria funcionar? Ela fica grávida de novo, os médicos fazem a prevenção da transmissão vertical com nevirapina e o bebê nasce negativo. Ufa! Mãe e bebê vão pra casa e seis meses depois você fica sabendo que a criança morreu de diarréia. Ou de malária. E todos os recursos – financeiros e humanos – usados pra evitar que a criança nascesse positiva vão por água abaixo por falta de noções básicas de higiene ou de rede mosquiteira. E é mais uma criancinha que entra nas estatísticas de mortalidade infantil.
Mas tem coisas bonitas acontecendo também. A Comunidade Santo Egídio, aquela ONG italiana, por exemplo, distribui cestas básicas e filtros de água para os pacientes mais necessitados. É animador pensar que, com uma simples cesta básica, muita gente passa pelo chamado "efeito Lázaro": do leito de morte para uma vida saudável e produtiva. Outras iniciativas cuidam dos órfãos da Aids, se certificando de que essas crianças têm comida, de que estão indo pra escola ao invés de estarem nas ruas de Maputo pedindo esmolas ou se prostituindo para conseguir dinheiro, já que muitas têm que sustentar 3, 4 irmãos mais novos. Tem ativistas que vão às periferias carregando malas de 15 quilos com monitor, DVD e o caramba para educar as comunidades mais afastadas sobre o HIV. Então sim, tem coisas boas sendo feitas. O problema é que diante da necessidade, tudo isso ainda é muito pouco.
E eu, cada vez que volto dessas viagens, me dou conta do privilégio que é ver tudo isso de perto, mesmo que depois demore para processar e absorver. E aqui na África, mais do que em qualquer outro lugar, é tocante ver a generosidade das pessoas que abrem suas histórias para uma completa desconhecida. Escrever sobre Aids já é doído. Agora imagina falar sobre Aids na primeira pessoa. E no entanto, é incrível como elas estão sempre dispostas a compartilhar a experiência, mesmo que isso signifique reviver o dia do diagnóstico, relembrar a rejeição de família e amigos. De onde vem essa força e coragem, não sei. Mas sei que, ao dividirem suas histórias comigo, todas essas pessoas me tornam, sem saber, uma pessoa melhor.*
* Por Lilian Liang
Fonte - Estadão
Ao andar por Maputo, você vai vendo pedacinhos da história: a arquitetura, a língua, os cardápios revelam os laços com Portugal; os nomes das ruas – Av. Vladimir Lenine, Av. Ho Chi Min, Av. Mao Tsé Tung – denunciam o passado socialista.
Moçambique é hoje um dos países mais pobres do mundo e um dos últimos no Índice de Desenvolvimento Humano das Nações Unidas – o 171º colocado de 177 países avaliados. Como se não bastasse, é lá que está uma das soroprevalências mais altas da África austral. Média nacional é de 16%, com picos de 25% em determinadas regiões. Com esses números, não é de se espantar que ONGs de todos os tamanhos e nacionalidades tenham invadido o país, com iniciativas variadas, principalmente de distribuição de anti-retrovirais. O que parece ótimo a princípio, mas que nem sempre funciona: de que adianta distribuir ARVs se as pessoas não têm dinheiro para ir até o posto de saúde buscá-los?
Setenta por cento da população de Moçambique é rural e a maioria tem que andar quilômetros incontáveis até achar uma clínica. De que adianta dar remédios se as pessoas não têm o que comer, o que é pré-requisito para o sucesso do tratamento? O tiro acaba saindo pela culatra: como os remédios são superfortes e dão uma fome monstra, sem comida muita gente interrompe o tratamento e acaba desenvolvendo resistência aos medicamentos. Entrevistei uma moça HIV+ cuja filha de 7 anos, também soropositiva, vive desmaiando na escola, porque os medicamentos são uma bomba e sem comida, ela não agüenta os efeitos.
Visitei um hospital-dia na região da Machava, na periferia de Maputo, mantido pela Comunidade Santo Egídio, uma organização religiosa italiana. Lá fora, numa sala de espera improvisada ao ar livre, tinha uma menina magrinha, magrinha, que parecia ter seus 13 anos. Pensei: essa menina começou a vida sexual cedo, para já ter o vírus tão novinha. A médica depois me disse que a moça na verdade tinha 23 anos. Estava tão fraca que parecia uma criança. Depois dela, um rapaz de seus vinte e poucos anos chegou para ser atendido, amparado pela mãe: 1,80 m e no máximo 40 quilos. Me senti presenciando o início da epidemia, com aquelas pessoas reduzidas a pele e osso. Aí você se pergunta: como é que em 2008, no 25º ano da epidemia, com todo o conhecimento e tantos anti-retrovirais disponíveis, alguém deixa a doença chegar nesse estágio?
Infelizmente, ainda não consegui achar uma resposta. Por exemplo, muita gente tem medo de fazer o teste de HIV. Mas pense: se você suspeita que tem o HIV, ou teve um comportamento promíscuo ou de risco, ou sabe que seu marido tem namoradas por aí com quem transa sem camisinha, não ia querer saber se está infectado? Afinal, quanto antes detectar e tratar a infecção, melhor, não? Não. As pessoas ainda têm pavor de se testar, por causa do estigma, porque acham que o diagnóstico positivo é sentença de morte.
O taxista que estava me choferando tinha um exemplo desses em casa: a filha de 26 anos, que morava na África do Sul, voltou dia desses para Maputo meio doente. Tinha manchas pelo corpo, uma tosse que não passava. Foi tratada por um curandeiro, melhorou. Voltou para Joburg. Dois anos depois ela voltou para Maputo, com menos de 30 quilos e completamente debilitada. Segundo seu Ezequiel, a família levou a menina para o hospital não para ela se tratar, mas para morrer com assistência médica. E nesse tempo todo, a moça não tinha se testado!
Todo mundo na África tem um conhecido, um vizinho, um parente que morreu de Aids. Todo mundo sabe o que significam os sintomas, mas ainda assim ela se recusou a se testar. O final dessa história é feliz, porque ela começou a tomar ARVs, se recuperou e hoje está "tão gordinha que você nem pensaria que ela tem HIV", como conta seu Ezequiel. Mas nem todo mundo que adia o teste tem essa sorte.
Os curandeiros também embolam o meio de campo na crise do HIV. Muitos moçambicanos nunca viram um médico na vida e só vão nos médicos tradicionais. Aí o curandeiro dá ervas, batata africana, aloe vera; as infecções oportunistas – diarréia, bolhas, herpes zoster, tuberculose – melhoram e a pessoa acha que está bem. Só que o fato de a diarréia ter parado não quer dizer que a carga viral esteja mais baixa ou que a contagem de CD4 (células de defesa) esteja mais alta. Quando o paciente chega no hospital, a Aids já está tão avançada que os anti-retrovirais não funcionam mais.
Em Moçambique existe uma iniciativa da Cruz Vermelha para promover um intercâmbio entre curandeiros e médicos, para que os curandeiros reconheçam os sintomas do HIV e encaminhem o paciente para os médicos. O problema é que, embora existam curandeiros que entendem os limites da medicina tradicional, outros (1) acreditam que os medicamentos tradicionais podem realmente curar a Aids; (2) tentam se aproveitar da situação e arrancam dinheiro do paciente, tratando uma doença que eles sabem que precisa de cuidados especiais; ou (3) pensam que a Aids é resultado de feitiço, por n razões: porque você não fez a missa para o seu avô, porque seu vizinho tem inveja de você, porque você não fez o ritual de purificação depois que seu marido morreu... Aí o doente vai atrás de fazer essas coisas e não faz nada em relação à doença.
Nesse contexto, como é que vai convencer os curandeiros de que eles têm que mandar pacientes com sintomas de Aids para o hospital? E como fazer com que as pessoas troquem a medicina tradicional pela convencional, sendo que o acesso a curandeiros é muito mais fácil e barato (uma consulta custa 100 meticais, menos de R$ 10)?
Seria de se esperar que num país em que quase 1 em cada 5 pessoas é soropositiva a Aids fosse vista com alguma normalidade. Não é. A discriminação ainda corre solta, muita gente é expulsa de casa e rejeitada pelos familiares depois do diagnóstico positivo. Entrevistei uma moça de 30 anos cujo marido morreu de alguma doença relacionada à Aids. Ela não acreditou quando seu resultado veio positivo, porque para ela a Aids era "doença de prostitutas" e ela nunca tinha tido ninguém além do marido. Foi abandonada pela família, não tem emprego, a sogra vendeu o terreninho que ela tinha e falou para o novo proprietário: “Deixe a Amélia ficar morando aqui nesse cantinho. Ela vai morrer logo e aí vai ser tudo seu”. O “problema” é que ela não morre. Toma ARVs e está saudável, apesar de não ter comida nem para ela nem para os dois filhos. Vive de favores de vizinhos.
Como ela não morre, o chefe do bairro resolveu fazer algo para que a vizinhança não ficasse com má fama: fechou a entrada da casa dela, escondendo a soropositiva e seu barraquinho. Levantaram um muro onde era entrada e agora ela tem que dar a volta pelo quintal do vizinho. E ninguém consegue fazer nada para ajudá-la.
Visitei também uma maternidade pra gestantes soropositivas, na região da Matola, periferia de Maputo. Imagine umas 30 mulheres, acompanhadas dos respectivos bebês ou com barrigões de 7, 8 meses, numa sala de espera pequena, sentadas nas cadeiras e no chão. Agora imagina que TODAS essas mães estão infectadas. Assustador, né? Pior: essas mulheres continuam ficando grávidas, mesmo estando com o vírus. Planejamento familiar é algo muito difícil na África, porque a fertilidade é vista não só como uma bênção dos deuses, mas também como sinal de virilidade. Então quanto mais filhos o cara tem, mais macho é. E a coitada da mulher continua transando sem camisinha, ficando grávida e correndo o risco de ser reinfectada.
E vai explicar que não é assim que deveria funcionar? Ela fica grávida de novo, os médicos fazem a prevenção da transmissão vertical com nevirapina e o bebê nasce negativo. Ufa! Mãe e bebê vão pra casa e seis meses depois você fica sabendo que a criança morreu de diarréia. Ou de malária. E todos os recursos – financeiros e humanos – usados pra evitar que a criança nascesse positiva vão por água abaixo por falta de noções básicas de higiene ou de rede mosquiteira. E é mais uma criancinha que entra nas estatísticas de mortalidade infantil.
Mas tem coisas bonitas acontecendo também. A Comunidade Santo Egídio, aquela ONG italiana, por exemplo, distribui cestas básicas e filtros de água para os pacientes mais necessitados. É animador pensar que, com uma simples cesta básica, muita gente passa pelo chamado "efeito Lázaro": do leito de morte para uma vida saudável e produtiva. Outras iniciativas cuidam dos órfãos da Aids, se certificando de que essas crianças têm comida, de que estão indo pra escola ao invés de estarem nas ruas de Maputo pedindo esmolas ou se prostituindo para conseguir dinheiro, já que muitas têm que sustentar 3, 4 irmãos mais novos. Tem ativistas que vão às periferias carregando malas de 15 quilos com monitor, DVD e o caramba para educar as comunidades mais afastadas sobre o HIV. Então sim, tem coisas boas sendo feitas. O problema é que diante da necessidade, tudo isso ainda é muito pouco.
E eu, cada vez que volto dessas viagens, me dou conta do privilégio que é ver tudo isso de perto, mesmo que depois demore para processar e absorver. E aqui na África, mais do que em qualquer outro lugar, é tocante ver a generosidade das pessoas que abrem suas histórias para uma completa desconhecida. Escrever sobre Aids já é doído. Agora imagina falar sobre Aids na primeira pessoa. E no entanto, é incrível como elas estão sempre dispostas a compartilhar a experiência, mesmo que isso signifique reviver o dia do diagnóstico, relembrar a rejeição de família e amigos. De onde vem essa força e coragem, não sei. Mas sei que, ao dividirem suas histórias comigo, todas essas pessoas me tornam, sem saber, uma pessoa melhor.*
* Por Lilian Liang
Fonte - Estadão