quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Fé e política: melhor juntas

Entrevista com Dom Charles Chapul, arcebispo de Denver
Por Karna Swanson


DENVER, Colorado, terça-feira, 2 de setembro de 2008 (ZENIT.org).- Não só a religião tem espaço no âmbito público, mas uma democracia precisa das contribuições da moral e das convicções religiosas para continuar sendo sadia e forte, afirma o arcebispo de Denver.

Tirar a religião do jogo, acrescenta Dom Charles Chaput, autor do livro recém-publicado «Render Unto Caesar: Serving the Nation by Living Our Catholic Beliefs in Political Life» (Dar ao César: Servir a Nação vivendo nossas Crenças Católicas na Vida Pública), é a forma mais rápida de destruir uma democracia.

Nesta entrevista concedida à Zenit, Dom Chaput fala sobre as idéias propostas em seu livro sobre os católicos e a política e comenta o que considera serem os temas importantes para os votantes americanos nas eleições presidenciais de novembro.

-O catolicismo na vida pública dos Estados Unidos teve uma longa e complicada viagem, e o senhor afirma que os católicos têm muito a oferecer ao processo político, mas que com freqüência mantêm suas crenças e convicções separadas de sua atividade política. Por que é assim?

-Dom Chaput: Os católicos foram sempre minoria nos Estados Unidos, e sempre foi real neste país o preconceito com relação a eles, inclusive antes de sua fundação. Algumas discriminações foram indiretas e corteses. Só em algumas ocasiões assumiram formas mais vulgares de discriminação econômica e política, e o fanatismo. De qualquer forma, o preconceito sempre alimenta o apetite de uma minoria de ser aceita, conseguir ser assimilada, e os católicos norte-americanos fazem isso extraordinariamente bem – de fato, muito bem.

Sob a desculpa de ser bons cidadãos, muitos católicos compraram a idéia errada da «separação da Igreja e do estado». Os católicos norte-americanos sempre apoiaram o princípio de manter a autoridade religiosa e civil separadas.

Ninguém quer uma teocracia, e muitos dos meios que estiveram falando do «fundamentalismo cristão» utilizaram somente uma tática de medo especialmente ofensiva. A Igreja não pretende dirigir o Estado. Tampouco queremos que o Estado interfira em nossas crenças e práticas religiosas – que, sinceramente, hoje é um problema muito maior.

Separar a Igreja do Estado não significa separar temas de fé e temas políticos. O verdadeiro pluralismo requer um saudável conflito de idéias. De fato, a melhor forma de acabar com a democracia é que as pessoas separem suas convicções religiosas e morais de sua tomada de decisões políticas. Se as pessoas acreditarem de verdade em algo, atuarão sempre sobre isso como matéria de consciência. De outra forma, só estão mantendo a si mesmos. Por isso, a idéia de forçar a religião a sair dos debates de política pública não é só pouco inteligente, é antidemocrático.

-Um capítulo do livro é dedicado a Tomás Moro. O mesmo capítulo menciona John F. Kennedy, o primeiro presidente católico dos Estados Unidos. Qual é a diferença fundamental entre esses dois líderes políticos católicos?

-Dom Chaput: Como comento no livro, devemos ser cuidadosos na hora de estabelecer um paralelo excessivamente próximo entre a situação de Moro e os problemas que os funcionários públicos norte-americanos enfrentam. Mas Moro e seu amigo John Fisher permanecem tão vivos em nossas memórias por uma razão. Conservaram sua integridade a toda custa, inclusive suas vidas. Colocaram Deus antes do César.

Quanto a Kennedy, é necessário recordar o contexto de sua campanha em 1960. Kennedy tinha muito talento e coragem, mas também tinha de superar 200 anos de protestantismo.

Infelizmente, apoiando estes temores protestantes, criou um novo modelo católico de separação do serviço público da convicção privada. Atuava com boa vontade, e certamente não podia ver o futuro – mas causou muito dano. Durante os últimos 40 anos, seu exemplo guiou cada funcionário público católico, que «pessoalmente se opõe» a certo mal grave, mas que não quer fazer nada a respeito. Ainda estamos sofrendo os efeitos.

-Também observa que a nova cultura da mídia criou um ambiente para o debate público no qual o «mercado sério de idéias» é reempregado pelos slogans. Como os políticos católicos podem atuar neste ambiente?

-Dom Chaput: Não há uma resposta fácil para isso. Os católicos norte-americanos precisam ter uma atitude muito mais crítica com relação aos meios de comunicação, inclusive a indústria informativa. No jornalismo, por exemplo, trabalham muitas pessoas boas. Mas a imagem da realidade informada pelos meios de notícias sempre está colorida por pelo menos três coisas: a tecnologia do meio, a necessidade de obter benefício e o viés da organização.

O que vemos e ouvimos sobre informação política costuma ser uma versão tendenciosa dos fatos. Os cidadãos precisam estar em alerta sobre como os meios aumentam os apetites públicos e modelam nossas opiniões. E os políticos católicos precisam aprender a usar a mídia – de forma honesta, supostamente – e como não ser utilizados por ela.

-Espera que seu livro, publicado meses antes das eleições presidenciais nos Estados Unidos, tenha impacto no processo eleitoral, de alguma forma?

-Dom Chaput: Terminei o texto em julho do ano passado e o estive revisando até novembro. Queria que o livro aparecesse em março deste ano para que tivesse espaço entre ele e o período de campanha. Mas o editor tomou essas decisões.

Não é minha intenção, nem no livro nem em qualquer outro meio, dizer às pessoas como votar. Não apóio candidatos, não uso um código de linguagem para conseguir que as pessoas gostem ou não gostem de um partido político. Esse não é o trabalho de um pastor.

As pessoas precisam votar conscientemente. Mas a «consciência» não aparece milagrosamente do nada; não é um tema de opinião pessoal ou preferência privada. A consciência sempre se baseia em uma verdade maior que nós mesmos. As pessoas que dizem que são católicas precisam ser honestas consigo mesmas e com a comunidade crente. Precisam atuar verdadeiramente como «católicas» em particular e em público, e isso inclui a forma como tomam suas decisões políticas. E é precisamente o trabalho de um pastor ensinar aos católicos sua fé e animá-los a aplicá-la.

-Neste ano de eleições, parece que haverá mais debate sobre os «grandes» temas sociais que os católicos deveriam considerar ao votar. Como o senhor vê esta tendência? E quais são os principais temas que os votantes católicos enfrentarão no próximo mês de novembro, na sua opinião?

-Dom Chaput: O ensinamento da moral da Igreja não muda, seja ano de eleições ou não. Enfrentamos um monte de temas importantes nesta época: a economia, a reforma da imigração, a guerra do Iraque. São urgentes e importantes, mas não podem ser utilizados como uma desculpa para ignorar a criança não-nascida.

Não importa quanto queiramos tapar com o debate sobre os «grandes temas sociais»; a luta contra o aborto continua sendo um tema social fundamental de nosso tempo. Não há forma de se esquivar das conseqüências que gera, a brutalidade e a injustiça do aborto com uma linguagem piedosa ou gestos teatrais. O aborto é um homicídio legalizado. Tem que parar. Qualquer outro direito depende do direito à vida.

-O livro está escrito principalmente para os leitores dos Estados Unidos, visto que fala diretamente da Igreja nos Estados Unidos. O que os leitores de fora do país podem obter do livro?

-Dom Chaput: Todos os católicos, onde quer que estejam, precisam recordar que primeiro somos cidadãos do céu. Esse é o nosso lar. Servimos melhor nossa nação neste mundo vivendo nossa fé católica plena e autenticamente, e oferecendo nosso testemunho católico sobre a dignidade humana de forma vigorosa na vida política de nossa nação.

É necessário que deixemos de estar envergonhados de falar e trabalhar pela verdade. Podemos ser discípulos ou podemos ser covardes. No mundo de hoje, não há lugar para nada mais. É necessário que escolhamos.

Fonte - Zenit
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