terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Catolicismo: uma cosmovisão atuante na política

Não há dúvida de que a igreja de Cristo precisa ser atuante no mundo. O papel da igreja não se restringe a promover mero consolo espiritual; ela deve levar a verdade de Cristo em todas as áreas da vida. Nesse sentido, o pensamento reformado (especialmente Calvino e Kuyper) promove a atuação de cristãos na sociedade – fundamentalmente no contexto de vocações usadas para glorificar o Mestre. Os cristãos seriam responsáveis pela redenção da cultura, criando contrapontos culturais a partir de uma perspectiva fundamentada em pressupostos bíblico.[1] É claro que essa atuação de cristãos conscientes será insuficiente para levar a uma redenção cabal; crer o contrário aboliria a escatologia ou, pelo menos, fundaria uma escatologia humana, que, na prática, diferiria muito pouco do humanismo secular.[2] Nenhuma iniciativa humana pode substituir a intervenção divina, necessária para resolver o problema do mal existente no mundo.[3]

Por isso, embora a defesa e promoção da cosmovisão cristã sejam necessárias para garantir a relevância do Cristianismo, não podem ser exageradas a fim de constituir uma teocracia democrática, visando o poder político.[4] Justamente no aspecto da interferência política é que a igreja Católica vem se inserindo.

Num artigo divulgado neste domingo (6/12/09), em sua página em português, o site Zenit divulgou a intenção católica de atuar como referencial para decisões políticas. Carl Anderson, que assina o artigo, cita Ratzinger (que na época não assumira ainda a cadeira de Pedro): “"o Magistério da Igreja não pretende exercer um poder político nem eliminar a liberdade de opinião dos católicos sobre questões contingentes […] Busca, no entanto – em cumprimento de seu dever – instruir e iluminar as consciências dos fiéis, especialmente aqueles envolvidos na vida política, de modo que suas ações possam sempre servir à promoção integral da pessoa e do bem comum”.[5]

O plano parece bem alinhavado com a encíclica Caritas in Veritate [6], a qual já ganhou a simpatia de grupos protestantes americanos [7], além de movimentar associações de católicos leigos a promover as ideias da encíclica.[8] Valendo-se da forte ênfase de grupos calvinistas sobre cosmovisão cristã, o Catolicismo parte para uma proposta de mobilização social e política, atraindo a simpatia de cristãos que buscam ser atuantes na sociedade.

Anderson parece notar a força desse apelo, quando afirma:

“A visita de Bento XVI aos Estados Unidos pode ser outro excelente exemplo de apelo à consciência. Depois de um ano de sua visita, de acordo com nossa pesquisa, cerca de 1 a cada 2 americanos queriam escutar o que ele tinha a dizer sobre aborto.

“Junte isso às suas declarações do ano passado nos Estados Unidos e à herança norte-americana dos direitos concedidos pelo Criador, e adicione o forte desejo de possuir uma guia moral adequada e, de repente, vemos que os americanos querem uma sólida liderança moral.”[9]

A influência católica só tende a crescer e a atingir outras áreas. O risco de se tornar uma cosmovisão impositiva é muito grande, sem falar na possibilidade real de Roma, que conta com o apoio de setores do evangelicalismo, dar as costas aos valores propriamente cristãos e sustentar apenas suas peculiaridades. Isso equivale a dizer que a Idade Média deixaria de ser apenas um capítulo dos livros de história para assumir um papel definitivo no século XXI. Por enquanto, cumpre-nos acompanhar o movimento das coisas e vigiar, pois “os tempos estão próximos”, como bem sabe aquele que estuda as profecias.

Fonte - Questão de Confiança

[1] Confira, por exemplo: (a) Douglas Reis, O pastor como alguém que desperta vocações: o exemplo de Lutero, disponível em http://questaodeconfianca.blogspot.com/2008/05/o-pastor-como-algum-que-desperta-vocaes.html; (b) Cláudio Antônio Cardoso Leite e Fernando Antônio Cardoso Leite, Evangélico ou Evangelico? A igreja Brasileira entre os exemplos do passado e o dilema do presente, em Cláudio Antônio Cardoso Leite, et al (org), Cosmovisão cristã e transformação: espiritualidade, razão e ordem social (Viçosa, MG: Ultimato, 2006), pp. 31-32.
[2] Sobre o humanismo secular, ver Douglas Reis, Mais filosofia, menos religião – o humanismo de Luc Ferry tem todas as respostas, disponível em http://questaodeconfianca.blogspot.com/2008/10/mais-filosofia-menos-religio-o.html.
[3] Douglas Reis, Placebos, genéricos e o remédio, parte 3, disponível em http://www.outraleitura.com.br/web/artigo.php?artigo=138:Placebos_genericos_e_o_remedio_(parte_3). Temos que entender a redenção no sentido de um milagre (algo que apenas o poder de Deus seria capaz de realizar), não uma mera consecução humana. “[…] O pecado não é somente a verdade bíblica e verificável, mas o precursor urgente para a necessidade e milagre da redenção.” Os Guinness, Sete pecados capitais: navegando através do caos em uma época de confusão moral (São Paulo, SP: Shedd Publicações, 2006), pp. 19-20.
[4] Sobre o flerte dos evangélicos com a política, ver Douglas Reis, Marcha para Jesus ou para a conquista do eleitorado, disponível em http://questaodeconfianca.blogspot.com/2009/09/marcha-para-jesus-ou-para-conquista-do.html.
[5] Carl Anderson, Levar a moral ao público, disponível em http://zenit.org/article-23489?l=portuguese.
[6] Para uma crítica,Verdade em Caridade: a doutrina social do Papa Bento XVI para o mundo globalizado, disponível em http://questaodeconfianca.blogspot.com/2009/07/verdade-em-caridade-doutrina-social-do_14.html (parte 1) e http://questaodeconfianca.blogspot.com/2009/07/verdade-em-caridade-doutrina-social-do.html (parte 2). Uma versão mais resumida do mesmo artigo foi recentemente publicada na revista o Ministério Adventista; além da versão impressa, o artigo pode ser acessado em http://www.cpb.com.br/htdocs/revistas/ministerio/2009/minist_nov_dez9.pdf.
[7] Douglas Reis, Eles merecem nossa caridade, disponível em http://questaodeconfianca.blogspot.com/2009/08/eles-merecem-nossa-caridade.html.
[8] Douglas Reis, Desenvolvimento humano integral: a proposta de Roma, disponível em http://questaodeconfianca.blogspot.com/2009/07/desenvolvimento-humano-integral.html.
[9] Carl Anderson, opus citado, grifos meus.


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