Gerald Traufetter
A imagem pintada pelo Conselho Intergovernamental de Mudança Climática é de nações destruídas e milhões de imigrantes desesperados fugindo do desastre climático. Entretanto, especialistas discordam se a visão tenebrosa se tornará realidade.
Certa vez, o clima que se aquecia levou os romanos para o Norte da Europa - inclusive o Norte da Alemanha e até mesmo o Reino Unido. Centenas de anos depois, o clima esfriou e levou tribos germânicas da Escandinávia para o Sul. Os vikings se estabeleceram na Groenlândia depois que esta se aqueceu, somente para deixá-la quando congelou novamente.
Em suma, o clima há muito tempo provoca a migração em massa. E o Conselho Intergovernamental de Mudança Climática da ONU (Cimc) adverte que pode haver mais a caminho. A segunda metade de seu extenso relatório sobre o aquecimento global, divulgado na sexta-feira (06/4), adverte que desastres relacionados ao clima podem provocar um êxodo mundial de proporções bíblicas. De fato, de acordo com a Cruz Vermelha Internacional, 25 milhões de pessoas já começaram a sair de lugares destruídos por problemas ambientais - mais do que o atual número de refugiados de guerras em torno do globo.
Nações industriais ricas, depois de décadas jogando mais gases de efeito estufa na atmosfera que os países pobres, podem ajustar-se às mudanças se investirem o suficiente. No entanto, as partes mais pobres da América Central, Ásia e África sofrerão duramente com enchentes e secas. Esta sabedoria convencional na controvérsia do clima abriu um debate de direitos humanos: agora não são só a globalização, os mercados fechados ou as conseqüências do colonialismo roubam as oportunidades dos pobres - também os gases de efeito estufa. Será que as próximas décadas verão milhares de "refugiados do clima" fluindo para o Norte, das planícies alagadas e desertos da África ou da América Latina?
Cenários de filme de terror"
A questão ainda está em aberto para os cientistas. Os especialistas não conseguem concordar se haverá refugiados do clima. O ecologista Norman Myers, de Oxford, acredita que sim e diz que o número pode chegar até a 200 milhões em 50 anos. "Essas pessoas não vêem alternativa a pedir asilo em outra parte, por mais que a tentativa (de chegar lá) seja perigosa", diz ele.
Seu colega Stephen Castles, do Instituto de Migração Internacional de Oxford, contradiz esses cenários de filme de horror. "Myers e outros simplesmente entendem as previsões do clima pelo valor de face e vêem quantas pessoas moram nas áreas que serão alagadas", diz o autor de "The Age of Migration" (a era da migração), agora livro texto padrão. Este método, diz Castles, provoca um exagero das estimativas de refugiados.
Ele diz que é mais correto estudar quantas pessoas de fato respondem em áreas de desastre ambiental, guerra ou pobreza ampla. "O que vemos é outra coisa - a imigração geralmente não é a principal estratégia". Quando as condições de vida ficam insuportáveis, as pessoas tendem a se mudar dentro de seus países - raramente cruzam fronteiras nacionais.
Especialistas em imigração em países como Bangladesh, em geral, concordam. Junto com ilhas baixas como as Maldivas, Bangladesh é um indicador inicial das profecias de mudança de clima. Seus mares, no entanto, não subirão todos ao mesmo tempo. Partes do país podem ser protegidas por diques; outras partes talvez tenham que ser abandonadas, mas as pessoas podem ser reassentadas. "Apenas poucos de fato fugirão para a Índia", diz Castles.
A questão crucial é como os governos reagem aos desastres. Depois do terremoto de 1995 em Kobe, no Japão, a maior parte dos 300.000 moradores desabrigados voltou meses depois. Quando o vulcão Pinatubo entrou em erupção nas Filipinas, porém, levou anos para a volta em larga escala. A capacidade de resposta de uma nação não é apenas uma questão de dinheiro, como provou a reação deficiente do governo americano ao furacão Katrina em 2005. "Tinha mais a ver com o poder de decisão e de organização e com o combate à corrupção e à má administração" dentro do governo, diz Castles. Previsões exageradamente dramáticas de migração em massa, diz ele, servem principalmente para agravar a xenofobia: "Neste momento, uma onda de refugiados já está batendo nas praias da UE", salienta.
Reforma agrária contra o apocalipse?
Thomas Faist, sociólogo da Universidade de Bielefeld, também resiste ao discurso radical que seus colegas começaram a usar. "Não quero negar o problema", diz o professor. "Mas não podemos perder de vista o fato de que há outras razões muito mais decisivas para as pessoas deixarem suas casas".
Enchentes e desertificação estão acontecendo hoje; ao mesmo tempo, as pessoas estão passando fome e tentando fugir. Mas Faist argumenta que as principais razões para partir são o conflito étnico ou econômico, assim como má administração política. Ele diz que a mudança de clima é apenas um fator agravante. Quem quiser deter uma corrente de imigrantes tem que abordar sua causa subjacente, e ele duvida que o clima possa ser citado como causa para todos os conflitos que afligem todas as partes pobres do mundo.
Faist portanto acredita que os fundos de emergência para países mais afetados por mudança climática serão inúteis. "O que eles precisam de nós é de ajuda tecnológica, sementes resistentes à seca, e apoio político para ajudar os governos a regirem", diz ele. "A mudança climática não deve ser explorada como uma causa, de forma a aliviar as nações em desenvolvimento de suas próprias responsabilidades."
A diferença entre a boa e má administração política pode ser vista na Turquia. Na parte ocidental, onde a reforma agrária vem acontecendo há décadas, o setor agrícola floresceu; as pessoas se sustentam e exportam seus produtos. Na Turquia Oriental, onde a maior parte das terras aráveis ainda pertence à meia dúzia de latifundiários, a produtividade é baixa, a pobreza é alta, e muitas pessoas estão partindo para as cidades.
"A Turquia Ocidental", diz Faist, "está em melhor forma para lidar com a mudança climática".
Tradução: Deborah Weinberg