António Pinheiro, Rádio Vaticano
Falar de Bento XVI quando estão para se completar apenas dois anos do seu pontificado, não é fácil; contudo existe um aspecto que suscita interesse e curiosidade nos habitantes de Roma e nalguns profissionais da informação, sobretudo naqueles que exerciam esta profissão durante o longo pontificado de João Paulo II. Trata-se da diversidade de atitude dos "ouvintes" quando fala Bento XVI tanto durante as Audiências Gerais das quartas-feiras como aos Domingos ao meio dia antes de recitação do Angelus com os fiéis presentes na Praça de S.Pedro, para não falar das homilias.
A grandíssima maioria segue o Papa em "religioso silêncio"; são muito poucas as interrupções com palmas, e há também quem, em folhas de papel ou agendas, escreve uma outra frase pronunciada pelo Papa. Sendo jornalista na Rádio Vaticano durante o inteiro pontificado de João Paulo II, e tendo seguido Karol Wojtyla nalgumas viagens na Europa, pude verificar a maneira como vibravam as multidões às suas palavras, mas também como se sentia uma certa "distracção" acerca do que o próprio Papa dizia. Com Bento XVI é diferente: silêncio, concentração e meditação. A resposta, ou melhor a explicação para esta diferença de atitude talvez resida no facto que com João Paulo II os fiéis, peregrinos e turistas queriam "ver" o Papa; com Bento XVI, mais do que ver, querem "ouvir" o Santo Padre.
E há que salientar aqui e antes de mais, que para o actual Papa, um dos mais respeitados teólogos da Igreja Católica neste último meio século, a Igreja está perante a história como única portadora da graça e da liberdade do Reino de Deus que opera e conclui a história, mas é algo muito diferente das vicissitudes dos poderes deste mundo e das suas culturas. Joseph Ratzinger não procurou e não procura os sinais do reino no tempo histórico como sua codificação, mas vê as mensagens históricas do tempo como expressão da crise do mundo, do perigo que sobre ele incumbe. O Papa Bento XVI não usa a expressão do seu predecessor "não tenhais medo", mas sobretudo "tende temor": temor de Deus.
Josph Ratzinger não pensa que a história contemporânea esteja compenetrada por uma densidade escatológica, não a vê como sacramento do reino. E a consciência dos homens do nosso tempo envia sinais claros de temor escatológico. O aquecimento do "planeta - terra" faz com que as análises mundiais mais requintadas, expressas pelas Nações Unidas, tenham como previsão o abalo da geografia e da história do planeta nos próximos cem anos, enquanto que as migrações do Sul para o Norte do mundo colocam em dúvidas as nações europeias. E além disso o Islão lança, uma vez mais, um desafio à cristandade no plano da concepção acerca da vida e da morte: um desafio político e civil, jogado acerca do sentimento da eternidade e da sorte "bem-aventurada" dos combatentes pela própria fé.
Bento XVI é um bom profeta, se profeta significa ler o temor de Deus nos acontecimentos e não no conceito progressista da história humana: o moderno triunfante na democracia, o homem que entra na posse da sua história.
O critério que nos vem da Bíblia é que não devemos acreditar nos profetas que anunciam vitórias, mas sim naqueles que anunciam o juízo divino sobre a história. E portanto, exortam ao temor de Deus. Talvez por isso, o Papa Bento XVI tem "mais ouvintes" do que João Paulo II e sobretudo escutam-no de maneira diferente.
Dele não esperam, não querem ouvir a esperança da história, mas escutar a linguagem do temor de Deus.
Em jeito de conclusão, e como simples observador, diria que o número cada vez maior de fiéis que acorrem a Roma para o escutar é a demonstração tangível de quanto o povo cristão, e não só, aprecia os ensinamentos de Bento XVI, a profundidade unida á simplicidade, a clareza de exposição unida à profundidade da sua teologia.
E é pena que pouco, muito pouco, às vezes mesmo nada, dos temas e questões fundamentais do Magistério de Bento XVI, atinentes também a organização e vida da sociedade civil, seja relançado pelos grandes meios de comunicação social.