Depois de todos os esforços feitos nas últimas semanas para votar na Assembléia Nacional francesa o projeto de lei que autoriza a abertura do comércio aos domingos, o governo Sarkozy entregou os pontos e admitiu que é melhor adiar. Essa semana os jornais divulgaram que, por causa da enorme polêmica que o tema gera e da obstrução ferrenha que a oposição tem conseguido fazer, o projeto deve ficar mesmo para o ano que vem.
A reviravolta é reflexo do passionalismo com que os franceses tratam qualquer medida que se relacione com direitos trabalhistas. Pesquisas feitas pelos jornais mostram que entre 60% e 84% das pessoas são contra qualquer tipo de trabalho aos domingos. Hoje, salvo uma ou outra exceção bem fundamentada (estabelecimentos que vendem alimentos, o bairro dos judeus que compensa as portas fechadas aos sábados) o descanso dominical é mesmo sagrado.
Logo que cheguei em Paris fiquei chocada de ver que nem a farmácia, nem a padaria ao lado de casa abriam aos finais de semana. No caso da padaria, nem sábado nem domingo. Pior: durante o verão, em julho, é normal eles simplesmente fecharem as portas por um mês inteiro. É a licença anual a que cada estabelecimento comercial tem direito. Colocam uma placa na porta: informamos nossa amável clientela que estamos em férias, nos vemos dia 1° de agosto. E assunto encerrado.
É verdade que o senhor Sarkozy se elegeu no ano passado prometendo revolucionar o ritmo econômico na França. Como mencionar o fim das sacrossantas 35 horas semanais talvez fosse forte demais, o discurso falava da valorização das horas suplementares – trabalhar mais para ganhar mais. Hello, neoliberalismo. A maior parte dos eleitores assinou embaixo, acenando para a disposição de sacrificar a qualidade de vida em nome do poder de compra. Na prática, no entanto, ele ainda não conseguiu fazer muita coisa.
Verdade que as grandes redes capitalistas francesas (sim, elas existem) andaram dando seus pulinhos por conta própria. Discretamente, o Carrefour do meu bairro aumentou em uma hora seu funcionamento, passando a fechar às 22h e não às 21h como sempre foi. Ainda assim, pensar que o maior supermercado de Paris funciona das 9h às 22h e não abre aos domingos parece piada para quem vive no Brasil.
Não é piada, não. Trabalho aqui é assunto muito sério. Mas descanso também é.
Fonte - Blog do Noblat
Nota DDP: E ainda tem gente que acha ser muito difícil a adoção em escala global de um dia único de descanso. Não são só os franceses que teriam facilidade em entender esse dia como um descanso sagrado...