Arquivos digitais podem causar no cérebro efeito parecido com o das drogas.
Especialistas ainda não sabem determinar conseqüências dessa alternativa.
Juliana Carpanez“Clique aqui para se drogar.” Essa frase, que ainda soa um tanto absurda, deve tornar-se cada vez mais comum na internet, ambiente no qual as pessoas buscam simulações para sensações da vida real. Depois de os desenvolvedores de games criarem personagens que têm seus sentidos alterados por drogas virtuais, um site resolveu oferecer essa sensação aos próprios internautas -- uma experiência que pode ser desaconselhável, dependendo da sensibilidade de cada usuário.
Na página i-Doser, os internautas encontram batidas musicais que prometem causar essas sensações -- é possível ouvir uma amostra grátis no site, além de baixar os arquivos pagos ou comprar CDs (cada mídia custa cerca de R$ 40). Segundo a página, a simulação dos efeitos da maconha, da cocaína e do ópio acontecem porque as batidas sincronizam as ondas cerebrais para os usuários sentirem-se eufóricos, sedados ou para terem alucinações.
Arquivos digitais com nove doses custam cerca de
R$ 14 -- cada arquivo tem cerca de 15 minutos e só pode ser ouvido uma vez. “Use a dose uma vez, jogue fora e compre mais quando você precisar”, diz o site, em um discurso que em muito se assemelha com o dos traficantes do mundo real. “Para aqueles que utilizam doses ocasionais, essa é uma alternativa bastante econômica”, continua a página, que aconselha o uso de bons fones de ouvido durante o consumo das “doses”.
“É possível que esses sons façam o que prometem. Sabemos que há uma série de estímulos que alteram o mecanismo cerebral, como acontece com a hipnose. Mas ainda é cedo para sabermos as conseqüências desse tipo de experiência na internet, já que é algo muito novo”, afirmou Dartiu Xavier da Silveira, psiquiatra da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) especializado no tratamento de dependências.
Ele não descarta, no entanto, a possibilidade de esses arquivos serem utilizados no tratamento de pessoas com outros tipos de vício. Pessoas dependentes de jogos via internet, por exemplo, poderiam utilizar essa alternativa como um “degrau” para a cura: elas deixariam de apostar dinheiro, passariam a usar o simulador e, então, conseguiriam eliminar a dependência. Mas ainda não é possível dizer se as “drogas virtuais” são uma boa opção para esses casos.
Pelo fato de os efeitos serem desconhecidos, Silveira não é um entusiasta desse tipo de simulador que, segundo ele, pode viciar. “É uma alternativa menos lesiva que a droga química, mas definitivamente não é benéfica, porque manipula a consciência do usuário”, afirma, lembrando das mensagens subliminares. “É possível que esses programas comecem a passar mensagens para os internautas, sem que eles se dêem conta disso.”
Erick Itakura, pesquisador do Núcleo de Pesquisa da Psicologia em Informática (NPPI) da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, concorda com a possibilidade do vício. No entanto, ele lembra que nem todos estão propensos a isso -- da mesma forma, muitos internautas podem não ter as sensações prometidas quando ouvirem as batidas. “Com as substâncias químicas acontece o mesmo: os efeitos variam de pessoa para pessoa”, compara.
Ele considera a experiência de conhecer as batidas válida e afirma que esse tipo de alternativa deve se tornar cada vez mais comum, por conta da característica de interatividade da internet. No entanto, o psicólogo reconhece que esse tipo de simulador pode levar o usuário a situações extremas.
Como exemplo disso, ele cita um episódio em 1997, quando diversas crianças e adolescentes do Japão foram internados depois de assistir ao desenho “Pokemon”. O forte impacto visual do episódio causou em muitos telespectadores sintomas de uma epilepsia fotossensível, como vômito, desmaio e vertigem. “Estímulos desse tipo podem causar sensações desagradáveis e até assustar.”