segunda-feira, 30 de julho de 2007

Quando a justiça promove a injustiça

Suprema Corte dos Estados Unidos sofre mudança de rumo

Em 1954, o advogado Thurgood Marshall apresentou perante a Suprema Corte dos Estados Unidos da América (da qual viria a ser o primeiro juíz negro a partir de 13/06/1967 até 1990) relatos e fotografias mostrando a tremenda discrepância entre as escolas públicas de ensino fundamental e médio dos bairros de população branca em ótimas condições, versus a péssima condição das escolas dos bairros negros. Assim foi registrado na história um marco jurídico. Não se poderia sustentar o mito racista de que a separação de raças era SEPARADA, MAS IGUAL. Assim tivemos esse marco jurídico chamado Brown X Board of Education (Brown X distrito educacional). A partir de então, embora o racismo continue existindo, as leis têm sido severas em combatê-lo. Os Estados do Sul foram forçados a misturar alunos negros e brancos em suas escolas, e houve significativa melhoria nas condições de vida dos negros, hispânicos e estrangeiros no paísm, seja nas escolas, nas universidades, na política ou no mercado de trabalho.

Curioso é que um dos juízes da Suprema Corte de então era Hugo Black, membro declarado da organização racista Ku-Klux-Klan. É claro que ante as fortes evidências de que o racismo não leva a nada, o erudito juiz reviu seus conceitos e considerou a importância de promover mudanças para a harmonia racial; sendo um dos líderes a exigir que governos estaduais, municipais e o federal cumprissem seus deveres constitucionais de promover o bem-estar de todos os cidadãos. Da pena do notável Hugo Black saíram incontestáveis argumentos que destruíram as desculpas esfarrapadas dos políticos desonestos que tentavam usar a política para fins lesivos ao bem comum. A influência da Suprema Corte se dava pela forma cândida e sensível de os juízes interpretarem a Constituição, ampliando os direitos nela exarados para que todos os cidadãos pudessem desfrutar deles. Tal atitude provocou protestos inflamadíssimos de políticos de mentalidade tacanha e antiquada. Muitos senadores e deputados federais e estaduais, juntamente com vereadores, governadores e prefeitos, principalmente dos Estados sulistas, diziam que a Corte não podia legislar com o martelo e que cabia a eles, à medida que as condições políticas o permitissem, mudar as legislações antiquadas. Logicamente eles jamais o fariam isso, haja vista que eles mesmos desejavam manter o status quo.

Assim, a Suprema Corte encampou uma guerra contra a mentalidade tacanha, classista e racista de muitos norte-americanos; mentalidade essa representada por setores do governo nos níveis federal, estadual e municipal. Na maioria das vezes, a Corte tinha uma votação unânime de nove votos a zero, colocando um lastro de legitimidade contra as contestações que sempre os burocratas de plantão apresentam. A Suprema Corte, usando seus poderes legítimos, interpretou a Constituição de forma verdadeira, nulificando as decisões racistas das Cortes Federais de instâncias inferiores e das Cortes Estaduais, também contaminadas pela mentalidade tacanha generalizada.

Assim, a Corte também expandiu sua atuação em favor de todos aqueles que eram mais fracos, menos favorecidos, parte de minorias religiosas, estudantes e criminosos que de outro modo seriam severamente oprimidos pelos poderosos. A Corte passou a ser considerada uma entidade acima da política, capaz de corrigir rigorosamente os erros graves que políticos e grupos antidemocráticos promoviam contra a cidadania. Diz o editorial do The New York Times de 5 de julho de 2007: “Nos anos 60, o Juíz-Chefe Earl Warren presidiu uma Suprema Corte que interpretava a Constituição favorecendo e protegendo os mais fracos [ou sem- condição, powerless].”

Os juízes da Suprema Corte dos Estados Unidos são escolhidos pelo presidente e confirmados pelas duas Casas Legislativas (Câmara dos Deputados e Senado); são nove juízes que compõem a Suprema Corte. O cargo é vitalício (só abandonam o cargo ao se aposentarem ou quando morrem), e a decisão de uma maioria mínima desses juízes ( cinco votos) é a palavra final do que vem a ser certo ou errado, juridicamente falando, na governança do País. Desde o presidente Ronald Reagan (1980-1988), passando por Bush pai (1988-1992), vê-se um esforço do Partido Republicano em colocar na Corte juízes com histórico judicial que favoreça os poderosos, buscando, muitas vezes, juízes com poucos anos de atuação em cortes federais, como foi o caso do juíz John G. Roberts, nomeado por Bush sem jamais ter atuado como juiz antes, sendo portanto impossível prever como votará.

Após os anos Clinton (democrata), George W. Bush teve a chance de colocar dois juízes extremamente conservadores que nitidamente querem mudar a Constituição, apoiando mediante uma interpretação equivocada dela, leis que prejudiquem o cidadão comum e favoreçam de forma desonesta as grandes corporações e os mais poderosos. São eles: o já citado John G. Roberts (juiz-chefe) e Samuel Alito. Também estão na corte os juízes Anton Scalia, Anthony Kennedy (escolhidos por Ronald Reagan), Clarence Thomas e David Souter (escolhidos por Bush pai), Stephen G. Breyer e R. Ginsburg (Bill Clinton) e John Paul Stevens (escolhido por Gerald Ford).

Ginsburg, Stevens e Breyer sempre se colocam em defesa da manutenção dos antigos padrões da corte. David Souter, embora fosse escolhido por um republicano (Bush pai) e fosse protegido de Sununu (influente político republicano), tem votado normalmente ao lado destes. Assim, o bloco dito “liberal” soma quatro votos.

Já o bloco conservador conta cinco: Roberts, Alito (apelidado pela mídia de Scalito, por votar muitas vezes igual a Scalia), Scalia, Thomas e Keenedy.

Os juízes que George W. Bush escolheu para as várias cortes federais e os dois supracitados que colocou na Suprema Corte, são juízes extremamente conservadores e esse fato não teve contestação, pois, ao contrário de Reagan e Bush pai, G. W. Bush até recentemente tinha um Senado e Câmara dos Deputados de maioria republicana. Os dois primeiros tinham que enfrentar a animosidade de um legislativo de maioria democrata, o que os impedia de escolher juízes que não tivessem um histórico profissional (record) razoavelmente aceitável.

Se a Suprema Corte do juíz-chefe Warren (anos 60) favorecia os fracos, geralmente de forma unânime (nove votos a zero), onde os nove juízes expressavam a clareza dos direitos constitucionais votando unidos e demonstrando assim a importância de um consenso jurídico que deve ser imitado pelos outros órgãos do governo e pela sociedade em geral, o atual juíz-chefe, John Roberts, que disse desejar promover o consenso, geralmente tem votações de cinco a quatro, nas quais a maioria conservadora sem conseguir consenso algum promove aos trancos e barrancos um retrocesso nos direitos do cidadão comum.

A Suprema Corte Warren forçou as escolas a serem misturadas racialmente enfrentando bravamente as tendências racistas de norte a sul do país. Graças a esse ato de coragem, hoje há um desejo, por parte de muitos norte-americanos de aceitarem as outras etnias presentes em sua nação e implementar uma nação mais igualitária. Como consequência, muitas cidades e Estados, atendendo ao pedido de seus cidadãos, muitas vezes de maioria branca, fazem projetos de integração racial. Mas a Corte de John G. Roberts proibiu os projetos de integração voluntária das escolas públicas das cidades de Seattle (Estado de Washington) e de Louisville (Estado de Kentucky); ou seja, considerando que os cidadãos hoje querem harmonia e querem implementar isso mediante políticas locais, o poder judiciário virá de cima tentando promover o atrito entre as classes. Curioso é que para tanto torcem a 14ª emenda que exige proteção igual a todos os cidadãos; como se pessoas racistas tivessem direitos a serviços públicos racialmente separados.


Tal decisão teve um placar de cinco a quatro, e o juíz Stephen G. Breyer considerou essa mudança de postura jurídica uma traição à história da Corte.

Em sua longa história, a Suprema Corte sempre zelou pelo direito a um julgamento justo por qualquer cidadão, mas hoje um preso que pede reconsideração do seu caso pode perder esse direito, mesmo preenchendo a documentação adequadamente a tempo. Essa foi outra decisão rachada em cinco a quatro.

Ao contrário das decisões dos últimos CEM ANOS, a atual Suprema Corte (em outra votação rachada em cinco a quatro) quebrou o precedente jurídico e hoje os fabricantes já podem impor um preço mínimo para seus produtos quando forem vendidos no varejo, o que prejudica o consumidor final.

Considerando que nos anos 60 a Suprema Corte nulificou decisão das cortes federais e estaduais, que lesavam o pequeno cidadão, vê-se uma mudança de rumo equivocada, desvairada, antiética, antitransparente - e acima de tudo antidemocrática - no caso abaixo:

A Suprema Corte do Estado do Oregon confirmou a decisão de um juri popular que exigia a indenização de 79,5 milhões de dólares da empresa Philip Morris. “Considerando extraordinariamente imoral o fato de a Philip Morris negar (sabendo) durante 40 anos a conexão entre o fumo e o cancer.” Mas a Suprema Corte atual (rachada em cinco a quatro) quebrou uma tradição louvável de proteção ao cidadão comum e ANULOU a decisão da Corte de Oregon, livrando a desonesta empresa tabagista das consequências legais; portanto, a empresa está livre da indenização. Ou seja, nos Estados Unidos de hoje, uma grande empresa pode lesar os cidadãos, pois as queixas contra ela serão ignoradas e ela terá seu lucro desleal perpetrado com o aval e apoio irrestrito da Corte Máxima do País.

Diante desse empenho de os cinco juízes mais poderosos dos Estados Unidos quererem usar seus poderes em favor da injustiça, quando deveriam bloqueá-la, mesmo quando quatro juízes igualmente poderosos que se sentam ao lado deles protestam por isso; quando por causa desses cinco juízes justiça é negada às vítimas e a recompensa dessas mesmas vítimas (geralmente cidadãos comuns) é mais injustiça ainda; o colunista negro Eugene Robison, do jornal The Washington Post,comentou: “Desculpe essa coisa chamada escravidão, e toda essa coisa chamada Jim Crow (Leis racistas que perduraram até os anos 60, chamadas de Jim Crow laws). Isso já era e isso é agora.” Ele continua insistindo para que os cidadãos esqueçam e ignorem a Suprema Corte, porque ela simplesmente perdeu todo o seu significado como última instância da Justiça. Simplesmente o governo em todos os seus níveis e a sociedade civil devem progredir apesar dos limitados cinco juízes que fazem seu voto marjoritário hoje.

Infelizmente, países como o Brasil, que imitam muitos procedimentos dos países mais desenvolvidos, podem acabar imitando também esse mal exemplo, tornando o nosso Judiciário - que já é nepotista e classista - mais descaradamente injusto ainda. Tomara que nossas autoridades percebam esse retrocesso e evitem imitação ruim por aqui.

O The New York Times termina seu editorial de forma patética: “Fazia décadas que os membros mais privilegiados da sociedade - grandes corporações, os ricaços, os brancos racistas que querem uma escola só para eles - tinham uma Suprema Corte que lhes desse tantas vitórias. Os desfavorecidos da sociedade não foram os únicos perdedores. Os ideais básicos da Justiça Americana perderam também.”

Perde também a Suprema Corte, outrora o braço governamental mais influente dos Estados Unidos, que será um poder sem prestígio, influência e lastro moral para promover algo de bom em favor da sociedade norte-americana e mesmo internacional.

É muito bom quando a justiça divina se manifesta, mesmo que seja em atos jurídicos de falhos juízes humanos, como muitas vezes aconteceu na história humana e com certeza num passado recente da história norte-americana. É muito bom quando juízes humanos buscam fazer justiça em favor dos pobres, estrangeiros e viúvas. Isso faz da justiça humana instrumento da justiça divina; veste a justiça humana de uma legitimidade que torna suas leis poderosas promotoras de um bem maior para a sociedade que é julgada por ela. Seu julgamento alegra a cidade e traz alento ao injustiçado sofredor e assim a justiça de Deus sustenta o poder de homens que, embora falhos, usam seus talentos e seus poderes para que esse mundo seja um lugar feliz onde todos os seus habitantes tenham gratidão por viver.

Mas, se a justiça humana rejeita ajuda do alto e propositadamente oprime os pobres, as viúvas e os estrangeiros, há tristesa nas cidades e os corações ficam pesarosos e irados, e grandes tumultos e guerras virão.

Nessas horas difíceis, assim como naquelas mais favoráveis, confiamos em Elyon, o Deus Altíssimo, para que nos julgue; confiamos em El Shadday, para que pelo Seu poder executemos a obra que Deus nos designou nesta mundo. E, finalmente, nos entregamos ao Senhor, que diz: “Não por força, nem por violência, mas por Meu Espírito - diz o Senhor dos exércitos” (Zacarias 4:6).

Sílvio Motta Costa, professor da Escola Estadual Jornalista Roberto Marinho, em Campinas, SP

Nota: Sugiro aos leitores deste blog o estudo do capítulo 13 do Apocalipse e do livro O Grande Conflito, de Ellen White. Essa guinada norte-americana para o totalitarismo já havia sido prevista antes mesmo de existirem os Estados Unidos.

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