Em nome do combate ao terrorismo, ministro alemão do Interior defende fim da premissa de que o cidadão é inocente até que se prove o contrário. Marcel Fürstenau comenta.
Espera-se que o ministro alemão do Interior, Wolfgang Schäuble, nunca venha a ser bem-sucedido em sua empreitada sem limites de proteger o país contra o terrorismo e outros perigos. Já nos tempos do governo social-democrata-verde, o antecessor de Schäuble, Otto Schilly, havia tomado as devidas providências para que vários direitos e liberdades do cidadão fossem cerceados.
Empresas de telecomunicação, por exemplo, passaram a ser obrigadas a liberar dados em relação às ligações e hábitos de uso de seus clientes, caso o serviço secreto peça. Já o sigilo bancário foi de fato abolido, desde que o Departamento Federal de Proteção à Constituição e o Serviço Federal de Informações passaram a ter acesso às contas bancárias de quem quiserem. Também o correio é obrigado a fornecer informações e companhias aéreas são forçadas a entregar dados de passageiros. E estes são apenas alguns poucos exemplos, entre muitos.
Apesar de Schäuble já ter feito uso de tantas possibilidades de usurpação dos direitos individuais, ele quer mais ainda. E pinta a situação mais negra do que é. Algo que vem fazendo desde que assumiu o ministério do Interior em fins de 2005.
No ano passado, Schäuble quis até mesmo permitir a ação das Forças Armadas dentro do país, partindo da possibilidade de que poderiam ocorrer atentados durante a Copa do Mundo. O que teria acarretado uma mudança na constituição federal.
Por sorte, ele não conseguiu alcançar seu objetivo. Ainda não, pois continua insistindo. A partir do princípio de que "água mole em pedra dura, tanto bate até que fura", o linha-dura democrata-cristão tenta vencer pelo cansaço o parceiro social-democrata da coalizão de governo.
Infelizmente, com sucesso crescente. Tanto que os social-democratas, hoje, já podem muito bem imaginar que, em caso de um atentado terrorista na Alemanha, soldados do Exército marchem pelas ruas do país. Quem se deixa levar por este tipo de pensamento mostra que já caiu no conto de Schäuble e teria que, em conseqüência disso, assumir sua retórica do pânico de um "caso de quase defesa" do território nacional.
Este momento peculiar, na lógica do ministro alemão do Interior, se instaura quando houver uma ordem para disparar em aviões seqüestrados com passageiros. Uma legislação com este teor, proposta pelo antigo governo social-democrata verde, foi, graças a Deus, revidada pelas mais altas instâncias da Justiça alemã.
O cerne da justificativa foi claro: a lei iria contra o direito fundamental à vida e contra a dignidade humana. Mas mesmo diante deste veredicto claro, Schäuble continua sonhando com a segurança absoluta. De forma compulsiva, ele se atém à sua visão da luta contra o mal.
A oposição política pode fazer pouco devido à falta de maioria no Parlamento. Os apelos dos que se colocam em defesa da proteção de dados também terminam sem efeito. Logo, o ministro do Interior só pode ser impedido de agir pelos social-democratas. Estes, por sua vez, ladram, mas não mordem.
Ao dizer que um ministro que dissemina a histeria se transforma, ele próprio, em um risco para a segurança do país, o parlamentar Klaus-Uwe Benneter colocou lenha na fogueira da coalizão de governo. Mas o problema é que, apesar dos ataques verbais, o Partido Social Democrata (SPD), como parceiro minoritário da coalizão, pode muito bem imaginar, por exemplo, que o levantamento dos dados relativos a pedágio nas rodovias do país, que até hoje só eram usados para a cobrança de taxas, poderão ser utilizados no combate à criminalidade.
Da mesma forma, o SPD é condescendente no que diz respeito ao acesso às fotos armazenadas nos registros de moradia de cada cidadão [obrigatório na Alemanha]. Originariamente, esses dados deveriam servir somente para punição dos que desrespeitam os limites de velocidade nas estradas do país.
O quadro geral é devastador: passo a passo, o ministro do Interior Schäuble parece estar no melhor caminho rumo à organização de uma vigilância em grande estilo. E se, além disso, ele ainda conseguir fazer com que, no combate ao terrorismo, seja suspenso o princípio da "inocência até que se prove o contrário", então aí poderá ser proclamado o fim da Alemanha como estado de direito.
Fonte - DW-World