terça-feira, 21 de agosto de 2007

Clima: Ninguém ouve os alertas

Por Stephen Leahy, da IPS

Toronto, 20/08/2007 – Cientistas alertaram que os pontos de inflexão da mudança climática são iminentes e que podem provocar um aumento de sete metros no nível do mar. Entretanto, meios conservadores norte-americanos e canadenses, bem como sites de notícias da Internet, dedicaram dezenas de milhares de palavras na última semana ao reconhecimento feito pelo Instituto Goddard de Estudos Espaciais da Nasa de que cometeu um erro de cálculo ao qualificar o ano de 1998 como o mais quente já registrado nos Estados Unidos, quando deveria ter dito 1934.

Embora a diferença seja de apenas um centésimo de grau, os que negam a mudança climática citam este caso como prova da incompetência da agência espacial norte-americana, e de que o aquecimento global é uma mentira. A rede de televisão conservadora dos Estados Unidos Fox News informou no último dia 9 que “a descoberta de um vergonhoso erro de temperatura choveu diante dos olhos” dos “alarmistas”. O National Post, do Canadá, disse na semana passada que as razões apresentadas para a “histeria” da mudança climática já não eram verdadeiras.

The Washington Post e The Toronto Star destacaram a reação dos conservadores na mídia e nos blogs da Internet, entre eles o comunicador de radio Rush Limbaugh, que disse: “Temos provas do aquecimento global criado pelo homem. Está dentro da Nasa. Está na comunidade científica com dados falsos”. Porém, estes esquecem que o clima nos Estados Unidos é apenas uma parte das temperaturas globais médias, que permanecem inalteraldas mesmo com os novos cálculos da Nasa. Nove dos 10 anos mais quentes do mundo se registraram na última década, embora não seja o caso nos Estados Unidos, onde houve vários anos quentes na década de 30.

A advertência é: o completo colapso da plataforma de gelo da Groenlândia – que tem altura média de aproximadamente dois quilômetros – agora parece inevitável, e pode elevar em sete metros o nível do mar. “É uma mensagem que ensina”, disse Tim Lenton, da Escola de Ciências Ambientais na britânica Universidade de Anglia Oriental. A equipe de pesquisas de Lenton (Earth System Modelling Group-Grupo de elaboração de modelos do sistema terrestre) entrevistou especialistas em clima e geleiras de todo o mundo.

Há consenso de que a evidência recente mostra que o aumento das temperaturas logo atingirão o “ponto de inflexão”, a partir do qual a plataforma da Groenlândia se desintegrará dentro de 300 anos, elevando em sete metros o nível do mar e provocando inundações que farão milhões de pessoas abandonarem suas casas muito antes do ano 2300. cálculos recentes mostram que o colapso da Groenlândia pode ser disparado pelo aumento de apenas um grau nas temperaturas. Isto é um exemplo do que os cientistas chamam de “resposta não linear”, na qual uma pequena alteração pode fazer uma grande diferença, mas comumente descrita como “ponto de inflexão”.

E este ponto chega muito mais rapidamente do que parece. Devido a um atraso na resposta ao aquecimento climático, mesmo não havendo mais emissões de gases causadores do efeito estufa a partir de hoje, as temperaturas ainda aumentariam 0,6 grau. “Não quero dizer que o derretimento da Groenlândia seja inevitável, mas será muito difícil de evitar”, disse Lenton à IPS. James Hanse, presidente do Instituto Goddard de Estudos Espaciais, acredita que, sem esforços internacionais drásticos, um aumento do nível do mar de até cinco metros é possível antes do final deste século.

“Na minha opinião, se o mundo esquentar dois ou três graus, esse aumento maciço do nível do mar é inevitável, e uma fração substancial do aumento acontecerá no prazo de um século”, escreveu Hansen na edição do dia 25 de julho da revista New Scientist. Hansen destacou que a última vez que a Terra esteve mais quente foi há cerca de três milhões de anos, quando “era um planeta drasticamente diferente, sem gelo no mar Ártico nas estações quentes e com nível do mar aproximadamente 25 metros mais alto”, explicou.
Neste verão boreal, a quantidade de gelo no Ártico é 30% menor do que o normal, e espera-se que seja a mais baixa já registrada, informou na semana passada o Centro Nacional de Dados sobre Neve e Gelo, dos Estados Unidos. É possível que o gelo do Ártico já tenha passado de seu ponto de inflexão, no qual as temperaturas mais quentes e uma “retroalimentação positiva do poder reflexivo do gelo” inevitavelmente façam com que haja cada vez menos gelo até que o Ártico fique completamente sem ele no verão, disse Lenton.
Embora o gelo não cause um aumento do nível do mar, acrescenta mais água doce e fria ao Atlântico Norte, que, junto com grandes quantidades do líquido procedente da plataforma gelada de Groenlândia, tem o potencial de diminuir ou reverter a circulação termohalina do oceano Atlântico. Esta circulação, às vezes chamada cinta transportadora do oceano, guia as correntes oceânicas profundas. No Atlântico, as águas quentes do golfo do México são transportadas na direção norte-leste para ajudar a moderar as temperaturas nas ilhas britânicas, Irlanda e Europa setentrional. Esta circulação é outro ponto de inflexão onde pode ocorrer uma rápida virada.
Se for revertida no Atlântico, não só a Europa setentrional pode esfriar como as águas oceânicas meridionais, em torno da Antártida, se tornarão mais quentes, segundo a análise de Lenton, que em breve será publicada. “É um caso de efeito dominó. Estes são sistemas inter-relacionados onde uma mudança em um afeta os demais”, disse. Um oceano Antártico mais quente rapidamente acelerará o lento ritmo atual do derretimento da vasta plataforma de gelo em sua parte ocidental. Um completo colapso desse manto gelado aumentará mais quatro a seis metros o nível do mar, mas é improvável que esse ponto seja alcançado por outros 300 anos.
Um aumento entre três e seis graus na temperatura global não só derreterá muita neve como também fortalecerá em boa medida o fenômeno El Niño Oscilação do Sul, indicam as pesquisas. Entre seus impactos estarão severas secas no sudoeste da Ásia, Amazônia e outros lugares. El Niño é um fenômeno climático cíclico gerado em uma corrente quente na superfície do oceano Pacífico que viaja de oeste para leste. Em seu informe de avaliação 2007, o Grupo Intergovernamental de Especialistas sobre Mudança Climática (IPCC), vinculado à ONU, prevê aumento da temperatura de, pelo menos, 1,4 a 6,4 graus para este século.
“O sistema de monções do verão indiano também pode gerar instabilidade neste século”, disse Lenton. Este parece ser sensível a mudanças nas condições climáticas, ativando-se e apagando-se de maneira imprevisível e afetando milhões de pessoas. De todos estes acontecimentos potenciais, o derretimento da plataforma de gelo da Groenlândia é o primeiro e mais provável ponto de inflexão a ser alcançado. Os preparativos para enfrentar e adaptar-se ao aumento resultante do nível do ar precisam começar agora.
Além disso, rígidos esforços de mitigação também são necessários para reduzir tanto a velocidade quanto o grau do aumento do nível do mar e para evitar cruzar outros potenciais pontos de inflexão, afirmou Lenton. O público e os políticos devem estar conscientes de que os impactos da mudança climática não serão graduais. “A mudança pode chegar rapidamente e com enorme escalada nos danos e prejuízos”, alertou Lenton.
(IPS/Envolverde)
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