segunda-feira, 27 de outubro de 2008
O declínio do império americano
“Os Estados Unidos são uma potência hegemônica em declínio.” Essa frase não foi dita ontem por um analista econômico. Quem a disse foi um dos mais respeitados cientistas sociais, Immanuel Wallerstein, no livro O Declínio do Poder Americano (Contraponto, 2004). Ele continua: “Poucas pessoas acreditam nessa afirmação. Os únicos que acreditam são os ‘falcões’ dos Estados Unidos, que defendem políticas para inverter o declínio.”
Observador atento dos processos econômicos e culturais, Wallerstein já remava contra a opinião dominante de que os Estados Unidos navegavam sem medo por águas turbulentas. O poder nas mãos americanas ainda é grande, mas já é bem menor do que há cinqüenta anos. Os Estados Unidos cresceram vitaminados pelo monopólio comercial, pela pujança financeira e pela legitimação ideológica após duas grandes guerras (1914-18 e 1939-45), mas nos últimos anos sua economia enfrenta forte competição, sua agenda política é contestada até por antigos aliados e sua superioridade militar tem sido abalada por sucessivas derrotas (Vietnã, Somália) e por críticas ao intervencionismo (Nicarágua, Iraque).
A propalada conduta de excelência norte-americana nos campos do investimento em pesquisas acadêmicas, da liberdade de expressão e da eficiência produtiva tem sido sistematicamente contraposta pelo abandono da educação básica, pelo cerceamento do pensamento crítico e pela lucratividade exacerbada das megacorporações. Não é como se o rei agora estivesse nu, mas já se visualiza seus trapos de imundície e seus farrapos de lobo que estavam por baixo de seu traje de cordeiro a rigor.
O abalo no coração do sistema financeiro mundial, resultante do entupimento das artérias do mercado imobiliário e da ganância especulativa nas bolsas de valores, não é visto como crise passageira pelas análises mais sérias. Noam Chomsky, autor de O Império Americano, diz que “estamos caminhando em direção a uma grande depressão”; o economista John Williamson afirma que “a recessão nos EUA é inevitável”, e ainda que “estamos vendo as conseqüências do modo como os Estados Unidos vêm se comportando há anos”. Recém-premiado com o Nobel, o guru da economia Paul Krugman prevê que estamos “a um passo do derretimento econômico global”. Mais? O historiador Harold James, no jornal Financial Times, garante que “a crise americana não tem precedentes históricos”.
A crise recessiva de proporções mundiais estaria criando condições para o aparecimento de uma nova frente hegemônica? Seria a China? Os analistas se dividem, mas nem tanto. Enquanto alguns acreditam numa hegemonia oriental com a China na dianteira, outros consideram as muitas fraquezas chinesas. Ainda em 1999, Callum Henderson publicava o polêmico, revelando os mitos e a realidade do modelo “asiático”. O alto grau de endividamento doméstico e o irrestrito subsídio oficial a boa parte das empresas no vermelho também levaram o especialista Peter Cohan a afirmar que a China pode estar vivendo à beira da explosão de seu sistema.
Somem-se as perdas causadas pelo desastre ecológico advindas da industrialização veloz e o recente esfriamento do crescimento econômico e entende-se porque alguns analistas não enxergam a China como a próxima primeira-potência. Vale considerar sua falta de legitimidade moral diante de outros países, que geralmente é conquistada por meio da exportação do estilo de vida – mas a China importa a cultura ocidental seja pelo modelo musical ou pela penetração do cristianismo e da corrente ideológica. Segundo Robert Solow, premio Nobel de economia do MIT, “a China por não ser democrática, consegue manter uma enorme população rural em situação de extrema pobreza, salários baixos e uma disciplinada força de trabalho”.
O historiador Boris Fausto diz que os olhos do mundo ainda se dirigem esperançosamente para os Estados Unidos, na expectativa de que a crise mundial, e por tabela o declínio americano, sejam revertidos. Noam Chomsky ainda vê os Estados Unidos, e o clube das nações dominantes (o G7), como os principais engenheiros da reforma do sistema, em que o capitalismo de Estado exercerá maior “regulação e controle sobre instituições financeiras”.
Ainda se dirá que não é a primeira vez que se põe a hegemonia americana em xeque e que a conjuntura religiosa é normal. Porém, durante a crise de 1873 e na depressão de 1929, o Vaticano desempenhava um papel mundialmente pouco relevante; durante os colapsos financeiros dos anos 1970 e 1980, já ocorria uma notável conjunção entre Estado e religião (observado nas viagens papais e nas nações islâmicas), mas a polarização ideológica capitalismo/comunismo mal permitia os acordos econômicos mundiais. Atualmente, a iminente recessão econômica global requer ações coordenadas globais, levando os países a compromissos que exigem uma ética igualitária nas relações comerciais e diplomáticas.
Cada vez mais o cenário profético de declínio moral e financeiro e de busca de entendimento mundial se observa por meio dos abalos nos sistemas políticos e econômicos e no estabelecimento de paradigmas globais como a ecologia e a ética. Deus não deixou suas criaturas sem uma guia clarividente através da história. Sua Palavra revela-se o nosso norte. A interpretação dos Seus profetas, nossa confirmação de que o planeta se dirige para os eventos finais.
“Não olhemos para trás com ódio, nem para frente com temor; mas, ao redor, com atenção” (J. Thurber).
(Joêzer Mendonça, editor do blog Nota na Pauta)
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Fonte - Michelson Borges