"A nação indispensável" - frase cunhada por Madeleine Albright, secretária de Estado no governo de Bill Clinton, para realçar a liderança mundial dos Estados Unidos - está em apuros. E com ela, todo o sistema financeiro internacional pode ir de roldão. O pânico causado pela iminência de uma débâcle dos EUA, esta semana, só pode ser comparado ao medo depois dos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, que alvejaram símbolos do poderio econômico e militar americanos.
Pass this dreadful bailout, em português, "Aprovem esta terrível fiança", era o título do editorial do prestigioso jornal The Boston Globe, publicado na última terça-feira, 30 de setembro. Um dia após a Câmara dos Deputados rejeitar o plano de US$ 700 bilhões para "salvar Wall Street", provocando uma queda histórica nas bolsas, o periódico demonstra o clima de apreensão existente hoje nos Estados Unidos.
O Senado entendeu o recado e aprovou o pacote na tentativa de evitar uma bancarrota na economia global. E tudo indica que a Câmara, escaldada com a reação internacional do início desta semana, faça o mesmo na sexta-feira, quando o projeto retorna à Casa, a despeito da impopularidade da medida às vésperas da eleição, porque, simplesmente, não há outra alternativa.
Se o medo de um ataque terrorista reelegeu George Bush, em 2004, o medo da ruína financeira deve eleger Barack Obama presidente neste ano. E assim se move - sem escolhas - a conservadora classe média americana. E agora, José?
No livro Power, Terror, Peace and War (America's Grand Strategy in a World at Risk), publicado nos Estados Unidos em 2004 e traduzido para o português pela editora Zahar, em 2006, com o título "Poder, Terror, Paz e Guerra (Os Estados Unidos e o Mundo Contemporâneo sob Ameaça), o autor Walter Russel Mead, destacado analista da política externa norte-americana, que circula com desenvoltura pelos corredores de Washington, adverte: "a queda do poder dos EUA seria uma catástrofe não só para os norte-americanos, mas para bilhões de pessoas que vivem além de suas fronteiras, inclusive para muitos que odeiam esse país e o destruiriam se pudessem".
Citando o livro "O paradoxo do poder americano", de Joseph Nye, Russel Mead identifica o poder econômico dos Estados Unidos como "poder pegajoso - um conjunto de políticas e instituiçõs econômicas que atrai os outros países para dentro e dificulta o abandono do sistema". Trata-se, segundo o estudioso, de um poder não-coercitivo no qual a abertura do mercado aos competidores internacionais, responsável pelos déficits da economia americana, desde a Guerra Fria, "estimularam a produção e o consumo no resto do mundo, contribuindo para a prosperidade de outros países e estimulando-os a participarem do sistema norte-americano".
De acordo com Russel Mead, seguindo, em parte, a Grã-Bretanha, potência mundial da Era Moderna - e pátria-mãe -, os Estados Unidos estruturaram o "poder pegajoso", com base em um sistema financeiro internacional (o acordo de Bretton Woods), em 1944, que tornou o dólar uma moeda mundial, e no livre comércio.
A China é uma das primeiras vítimas do "poder pegajoso", com parte significativa dos US$ 820 bilhões de reservas internacionais, aplicados na compra de títulos do Tesouro Americano. Mas não só a China. Profético, Russel Mead adverte:
"As consequências do colapso da economia norte-americana e da ruína do dólar seriam muito maiores do que apenas reduzir o poder e a prosperidade dos norte-americanos. Sem seu principal cliente, países como a China e o Japão enfrentariam sérias depressões econômicas. Os bancos e as forças financeiras de todos os países do mundo seriam afetados e, provavelmente, seriam prejudicados se os Estados Unidos sofressem um colapso. Esta é a vingança do poder pegajoso. A dívida, símbolo da fraqueza, é transformada em força".
Os principais líderes da Alemanha, França, Grã-Bretanha e Itália reúnem-se neste sábado para discutir a crise que obrigou a venda ou a nacionalização de vários bancos europeus. A chanceler da Alemanha, Angela Merkel, apelou para o presidente Bush interceder junto aos congressistas americanos na aprovação do plano de US$ 700 bi - a maior operação de salvação na economia moderna, segundo o jornal The New York Times. Hong Kong anunciou medidas de ajuda a bancos. A Suíça também se movimenta nesse sentido.
Enquanto isso, na América Latina, a fantasia ufanista-oportunista de Lula quer fazer crer que o Brasil está imune à crise ou quase não será afetado por ela.
"God Bless America, Land that I Love. Stand beside her, And Guide Her, through the night with a light from above (Deus abençoe a América, País que eu amo. Permaneça ao lado dela, e guie-a, através da noite, com a luz que vem de cima)".
Fonte - Terra Magazine
Nota DDP: "A dívida, símbolo da fraqueza, é transformada em força". Penso que não há muito o que se articular. Os EUA têm hoje o poder de liderar o mundo por aquilo que o torna mais poderoso: o medo.
Talvez a articulista só não tenha percepção, no final de seu arrazoado, que a apostasia americana já empurrou Deus para fora de seu sistema faz tempo, a luz não vem mais de cima, aliás, ela não vem de nenhum lugar, porque a escuridão está tomando conta.