O Papa Bento XVI admitiu recentemente ter cometido erros ao lidar com a Fraternidade Sacerdotal de São Pio X, normalmente relacionada com a direita profunda política, e o bispo negacionista do Holocausto, Richard Williamson.
Mas, ao que parece, esta não é a primeira vez de Joseph Ratzinger é confrontado com notícias que envolvem aquela ala política…
Após largas semanas de silêncio sobre o assunto da negação do Holocausto em declarações proferidas pelo Bispo Williamson (ver aqui), o mesmo religioso que anteriormente já tinha causado celeuma ao defender que os ataques de 11 de Setembro de 2001 foram perpetrados pelos próprios americanos, e que existe uma conspiração judaico-maçónica mundial, Bento XVI finalmente emitiu uma declaração formal sobre o assunto, numa carta diriga aos bispos católicos, reconhecendo os erros cometidos (ver aqui, aqui e aqui).
Na referida carta aos bispos, o Papa refere que a excomunhão de quatro membros da Fraternidade pode ter sido erradamente interpretada como ‘a repudiação da reconciliação entre cristãos e judeus’, algo que ele poderia ‘simplesmente lamentar profundamente’.
Ficamos desde logo a saber que, ao contrário da doutrina proclamada pela Igreja Católica, a pregação dos dogmas pelo Papa pode ser falível (podemos ainda relembrar o pedido de perdão de João Paulo II a propósito da Inquisição).
Mas, esta não é a primeira vez que o teólogo Joseph Ratzinger se deixa usar, sem inocência visível, em situações que envolvem políticas de direita dura.
Em 1997, enquanto líder da Congregação Para a Doutrina e a Fé (curiosamente, a entidade que sucedeu à... Inquisição), permitiu que a editora austríaca Aula-Verlag usasse um texto seu, que tinha sido escrito para incluir numa coleção de ensaios, para marcar o 150º aniversário da Revolução de 1848, um ano de revolução não só na Alemanha, mas também em muitos outros locais na Europa.
Os editores dessa obra, intitulada ‘1848 – Erbe und Auftrag’ (1848 – Herança e Missão) foram Otto Scrinzi e Jürgen Schwab, duas conhecidas figuras entre os assumidos extremistas de direita da língua alemã.
Quando este assunto foi recuperado, já em 2009, a Kathpress, uma agência de notícias católica da Áustria, noticiou que ‘não foi pedida a Ratzinger autorização para a publicação do artigo’ em 1997.
No entanto, Gerhoch Reisegger, editor da revista Aula, refere que foi trocada correspondência entre a sua editora e o Vaticano procurando essa autorização, que foi obtida.
No dia 18 de Setembro de 1997, Reisegger solicitou a ‘Sua Eminência Cardeal Joseph Ratzinger permissão para reproduzir’ o artigo por este escrito e que havia sido publicado na revista Communio em 1995. Acrescentaram que o objetivo era ‘comentar o excecional pensamento de Ratzinger sobre a confusão relacionada com a Revolução de 1848'.
Somente 12 dias depois, o secretário de Joseph Ratzinger, Monsenhor Josef Clemens, respondeu: ‘em nome do Cardeal Ratzinger, informo-o que ele aprovou a republicação do seu texto na revista mensal Aula’.
Reisegger informou posteriormente Josef Clemens que em vez de republicar o artigo na revista mensal, um número especial contendo um olhar crítico sobre o liberalismo, a maçonaria e a Revolução de 1848 seria editado, que incluiria o artigo de Ratzinger.
O que é de espantar, para o comum observador, é que a simples menção ao nome desta publicação extremista austríaca deveria de imediato ter despoletado, no mínimo, suspeitas no Vaticano. Pelos vistos, tal não aconteceu ou Ratzinger foi totalmente consciente na autorização cedida. Isto porque, durante 12 anos não se moveu contra a referida publicação.
Rapidamente, o alcance da Aula ultrapassou as fronteiras austríacas, com a conotação política que se conhece. O novo editor da revista, Herwig Nachtmann tinha apoiado Walter Lüft, um negacionista do holocausto. O radicalismo da publicação era tal que até mesmo Jörg Haider, ex-líder do Partido da Liberdade Áustriaca, de extrema-direita, se demarcou da mesma, quando era entendido que a Aula era usada como órgão do partido.
Mas, então, o que inclui o texto de Ratzinger que despertou interesse nos membros desta fação politica (e não só)?
No artigo 'Liberdade e Verdade', Ratzinger critica o socialismo nacionalista, que, de acordo com o atual Papa é, a seguir ao marxismo, 'o maior sistema escavizante da história moderna'. No entanto, ao longo do artigo, Ratzinger igualmente critica o liberalismo e a democracia.
Ao questionar sobre a liberdade no mundo atual, Ratzinger escreve: 'a exigência por liberdade permanece intocável, mas no entanto questionam-se as formas de luta por movimentos de liberdade que até agora existiram e estão cada vez mais destacados'.
Sob o sub-título ‘O Problema: a História e Conceito da Liberdade na Modernidade’, o então Cardeal Ratzinger, hoje Papa Bento XVI, escreveu: 'o sentimento que a democracia ainda não é o método correto de liberdade é bastante comum e progressivamente crescente. (…) Quão livres são as eleições? Até que ponto é o seu resultado manipulado pela publicidade, isto é, pelo capital, por uns poucos homens que dominam a opinião pública? Não existe uma oligarquia daqueles que decidem o que é moderno e progressivo, o que um indivíduo esclarecido deve pensar? E o que dizer dos processos de decisão nas estruturas de representação democrática? (…) Quem poderá duvidar do poder de grupos de interesse, cujas mãos sujas são cada vez mais visíveis? E é o sistema de uma maioria e uma minoria realmente um sistema de liberdade acima de tudo?’
Aos olhos dos responsáveis da Aula, tanta desconfiança na democracia foi entendido como convergência de raciocínio, pelo menos neste ponto.
Quando o Cardeal Ratzinger foi eleito Papa eles proclamaram ‘Salvé (n.d.r.: a palavra usada foi Heil, a mesma saudação prestada a… Adolf Hitler) a tua chegada, protetor dos devotos’.
Naquele excerto, Ratzinger põe em causa algo que atualmente é tido como intocável no mundo livre: a democracia, com todas as liberdades que isso implica (o que inclui a liberdade religiosa).
Significativas, talvez já num âmbito ligeiramente mais abrangente do anterior, são as expressões que Joseph Ratzinger usou, nos seguintes excertos.
'É precisamente face aos limites da democracia que o grito por liberdade total se torna maior.' (...) A democraticamente ordenada forma de liberdade, não pode mais ser defendida por esta ou aquela reforma legal. A questão vai até à própria raiz; diz respeito ao que o homem é e como pode viver corretamente, tanto individual como coletivamente.'
Será que Ratzinger tem em mente uma nova forma de liberdade, que talvez venha a ser apelidada noutros termos? Ou será que o conceito de liberdade, conforme o conhecemos hoje, será substituído por uma outra norma, determinada por ordem de uns poucos (se calhar os mesmos 'poucos homens' que o atual Papa referiu anteriormente...)?
Este assunto, faz lembrar o conteúdo de Apocalipse 13, onde um poder oprime os fiéis servos de Deus, roubando-lhes todas as liberdades a seu belo prazer e conveniência. Sugiro a excelente e completa análise deste capítulo aqui.
Fonte - O Tempo Final