Passaram 146 anos desde que, de forma organizada, se iniciou a Igreja Adventista do Sétimo Dia. Desde então até hoje, tanto o mundo como a própria igreja sofreram enormes mudanças, que já se torna difícil encontrar aspetos comuns entre as duas épocas. Mas podemos fazer um esforço de comparação, para daí extraírmos algumas reflexões.
Vejamos o mundo. Já com a Revolução Industrial em pleno andamento, começava a surgir um fenónemo novo: em relativamente pouco tempo, eram atingidos avanços científicos que durante séculos seriam simplesmente impensáveis. O conhecimento aumentou de forma incrível e veio transformar radicalmente a sociedade e os estilos de vida.
Analisemos rapidamente os dias de hoje para fazer uma breve lista de evidências. E perceber, em curtos exemplos, como é que os dias de hoje pouco ou nada têm de semelhante com a quase totalidade da restante História da Terra.
a) Meios de transporte: durante séculos, nada mais rápido e eficiente havia que um cavalo e/ou uma carroça; hoje, em menos de um dia podemos colocar-nos no outro lado do mundo, e voltar no seguinte.
b) Armamento militar: durante séculos, entre arco e flechas, espadas e talvez canhões, quase tudo se resumia à luta corpo a corpo; hoje, há nações que possuem a capacidade para lançarem mísseis devastadores a longas distâncias e armas nucleares que podem destruir a vida da Terra.
c) Formas de comunicação: durante séculos, nada melhor houve que um homem a correr ou a cavalo e um pombo-correio; hoje, um simples aparelho com poucos centímetros, permite falar com qualquer pessoa em qualquer parte do mundo (já para não mencionar a internet...).
Assim, se pudéssemos reunir hoje pessoas dos séculos, por exemplo, V, X e XV, elas poderiam facilmente discutir assuntos, técnicas e ferramentas que lhes foram comuns; mas se lhes fosse dado contemplar o que o mundo é hoje, creio que elas não iriam acreditar...
Quanto à Igreja Adventista, penso que sentimos no nosso meio o evoluir dos tempos, embora isso não seja uma surpresa. Ellen White, em Testemunhos para a Igreja, vol. 6, p. 476 escreveu: 'novos métodos e planos surgirão oriundos de novas circunstâncias'. Tenho a certeza que Deus tem feito cumprir fielmente esta profecia e facilmente o comprovo.
Ainda há dias recebi uma mensagem de um irmão que vive em Manaus, estado do Amazonas, Brasil, solicitando permissão para usar um texto publicado neste espaço online para uma pregação na sua igreja. Em minha casa, assisto em direto a muitas campanhas que evangelistas adventistas efetuam um pouco por todo o mundo, desde os EUA à América do Sul e mesmo África e Austrália. Ora, isto seria impossível poucas décadas atrás, quanto mais no tempo em que Ellen White escreveu aquelas palavras!
Na verdade, tal como no mundo, para nós, Adventistas do Sétimo Dia, quase tudo é diferente do que era há 146 anos. Disse quase, porque uma semelhança se mantém, e manter-se-á até ao fim: a nossa missão é anunciar o juízo de Deus, a guarda dos Seus mandamentos e a breve volta de Jesus.
Cada dia que passa, estamos mais próximos do fim da missão; paradoxalmente, esse fim depende exatamente do nosso empenho e entrega a essa mesma missão.
Estamos nós a cumprir o dever para o qual fomos chamados? Mantemos essa característica intocada desde o nosso início?
Os nossos pioneiros talvez tenham exagerado quando deixaram e venderam tudo na expetativa da (para eles) certa volta de Jesus; poderá dar-se o caso de hoje muitos Adventistas estarem a colocar-se perigosamente no outro extremo? Isto é, demasiado agarrados às coisas da Terra, negligentes quanto à urgência do tempo, não abandonando práticas, costumes e bens materiais que deveriam deixar de imediato?
No livro Serviço Cristão, p. 41, Ellen White escreveu: 'é uma solene declaração que faço à igreja de que nem um entre vinte dos nomes que se acham registrados nos livros da igreja está preparado para finalizar sua história terrestre, e achar-se-ia tão verdadeiramente sem Deus e sem esperança no mundo como o pecador comum'.
Este conceito da não preparação para a volta de Jesus não é algo novo. Apesar de quatro mil anos terem passado depois da primeira promessa de um libertador feita ao casal errante no Éden, e das imensas promessas do Antigo Testamento que anunciavam Jesus como Salvador do pecador, quase ninguém estava preparado para a vinda de Jesus à Terra, na forma humana, há cerca de 2.000 anos. Talvez estivessem os pais, porque isso lhes foi anunciado; talvez João Batista, porque esse foi o seu ministério; talvez ainda Simeão, porque esse era o desejo da sua vida... De resto, apenas os humildes animais de um estábulo estavam lá para O receberem.
Em 1844, milhares também se prepararam para O receber, desta vez de forma bem diferente da Sua primeira vinda. Estavam eles preparados? Bem, se muitos erros lhes podiam ser apontados, de um elogio eles eram merecedores: mantinham os olhos bem erguidos para cima à espera de Jesus!
Isto fazia com que, em meio ao erro na interpretação dos tempos e seu significado profético, todas as suas ações fossem positivamente condicionadas por esse acontecimento que tanto aguardavam: o regresso vitorioso de Jesus à Terra.
Como disse, talvez tenham exagerado na expetativa; mas o que não podemos negar é que a vida desses que O esperavam estava totalmente voltada para o encontro com o Senhor nos ares! Nenhuma ocupação terrena, nenhum projeto humano lhe era superior em importância e relevo. E isso, com o tal eventual exagero à mistura, refletia-se no seu estilo de vida, naquilo que eles conversavam, enfim, naquilo que eles eram.
Um outro pormenor a destacar nesses crentes de há mais de século e meio, é que, em relação aos não crentes, eles destacavam-se sempre pelas diferenças e não pelas semelhanças. E, já depois da Igreja Adventista organizada, este aspeto tornou-se mais e mais evidente.
Igualmente, nada de novo: Noé, Elias, Samuel, Daniel, os três jovens hebreus em Babilónia e tantos outros fiéis servos de Deus, não tiveram medo em ser sempre diferentes de quem os rodeava. E, julgo que basta lembrar o caso de Sansão para percebermos os perigos em ser demasiado igual ao que o mundo propõe...
À luz destes dados, históricos e indesmentíveis, fico a pensar se os Adventistas do século XXI mantém os mesmos propósitos e características identificativos desde o princípio do movimento... ou se algo mudou ou tem estado a mudar.
Será que, com o mesmo ou idêntico fervor dos nossos pioneiros, nós hoje queremos mesmo que o Senhor volte? Dito de outra forma, será que a volta de Jesus, o evento que deveria definir os nossos pensamentos e ações, está a colocar-se no caminho dos nossos próprios planos, que não passam desta terra? Será que o ardente anseio pela volta de Jesus deixou de ser a nossa prioridade para se tornar um obstáculo à realização dos nossos próprios projetos?
Veja com que facilidade introduzimos nas nossas conversas assuntos como a compra de uma nova casa, o nosso casamento ou a perspetiva de ter filhos, e até mesmo as nossas ocupações em grupo... Tudo isto, coisas de grande importância às quais devemos considerar tempo e atenção. Mas, repare como é que tantas vezes deixamos que elas coloquem em segundo (ou terceiro ou quarto...) lugar nas nossas prioridades, aquele que deveria ser o projeto número um: a nossa missão como Adventistas do Sétimo Dia, materializada na nossa vivência das três mensagens angélicas!
Ouvi certa vez um vice-presidente da Conferência Geral dos Advenistas do Sétimo Dia dizer algo no qual todos deveríamos refletir profundamente e decidir em conformidade: 'o evangelismo é um estilo de vida, não é um evento'.
Infelizmente, parece que ficamos muito satisfeitos apenas com alguns programas que organizamos como igreja e nos quais recebemos a visita deste ou daquele amigo não adventista, ou que atingem alguma projeção especial. E ali ficamos, uma ou duas horas do nosso tempo, supostamente cumprindo a nossa função de anunciadores da Palavra de Deus, para que, logo que isso termine, voltarmos, de novo, a nossa maior atenção para as coisas que ocupam o nosso pensamento seis dias por semana, tantas delas fúteis e que, sem nos apercebermos, afastam gradualmente a nossa mente do maior acontecimento da história que em breve sucederá.
Há dias dei comigo a pensar em como a vida de todos os seguidores de Deus na Bíblia foi cheia de lutas e aflições, tendo o mesmo sucedido com os pioneiros Adventistas. Isto, ao mesmo tempo que a vida dos Adventistas do Sétimo Dia no século XXI parece tão fácil, tão sem problemas, tão tranquila. Demasiadamente tranquila.
Talvez por esta razão, um irmão da igreja me disse: 'quanto tudo estiver bem, então tudo está muito mal!'. Quis ele dizer que por vezes o inimigo de Deus nos rodeia sossegadamente e nem precisa de nos provocar ao erro, pois é ele quem está satisfeito com o nosso proceder. O que, é mau. Muito mau!
Será que ainda queremos de Jesus volte, e refletimos isso na nossa vida mais do que nas nossas palavras?
Será que os outros, leia-se não Adventistas, ao olharem para nós, vêem isso no nosso estilo de vida? Ou será que não se apercebem de diferenças significativas, ao ponto de acharem que para serem como nós lhes bastaria... guardar e Sábado e não comer carne de porco?!!!
Muita coisa pode ainda mudar no que resta na História deste mundo. Mas a missão dos Adventistas do Sétimo Dia não é uma dessas coisas. E a missão é SER; não é DIZER ou FAZER!
A questão, para cada Adventista, está em saber se vai SER essa missão... ou ficar de fora.
Fonte - O Tempo Final