Brotos verdes estão surgindo. Ou é o que nos dizem. Mas antes de concluir que a recessão acabará em breve, nós precisamos perguntar o que a história nos diz. Ela é um dos guias que temos para nosso presente apuro. Felizmente, nós temos dados. Infelizmente, a história que contam é uma infeliz.
Dois historiadores econômicos, Barry Eichengreen, da Universidade da Califórnia, em Berkeley, e Kevin O'Rourke, do Trinity College, em Dublin, forneceram quadros que valem mais do que mil palavras.*
Em seu trabalho, os professores Eichengreen e O'Rourke estabeleceram o início da atual recessão global como sendo abril de 2008 e o da Grande Depressão como sendo junho de 1929. E quais são as conclusões deles sobre onde estamos a pouco mais de um ano de recessão? A má notícia é que esta recessão equivale plenamente à etapa inicial da Grande Depressão. A boa notícia é que o pior ainda pode ser evitado.
Primeiro, o produto industrial global acompanha o declínio do produto industrial durante a Grande Depressão de forma terrivelmente próxima. Dentro da Europa, o declínio do produto industrial da França e da Itália é pior do que a esta altura nos anos 30, enquanto o do Reino Unido e Alemanha são equivalentes.
Os declínios nos Estados Unidos e Canadá também estão próximos daqueles dos anos 30. Mas o colapso industrial do Japão está pior do que nos anos 30, apesar de uma recuperação muito recente.
Segundo, o colapso no volume do comércio mundial tem sido bem pior do que durante o primeiro ano da Grande Depressão. O declínio no comércio mundial no primeiro ano equivale ao dos primeiros dois anos da Grande Depressão. Isso não ocorreu por causa de protecionismo, mas devido ao colapso da demanda no setor manufatureiro.
Terceiro, apesar da recente recuperação, o declínio nos mercados de ações mundiais é bem maior do que no período correspondente da Grande Depressão.
Os dois autores resumem de forma clara: "Globalmente, nós estamos repetindo ou em uma situação ainda pior do que a Grande Depressão (...) Este é um evento do tamanho da Depressão".
Mas o que deu à Grande Depressão seu nome foi o declínio brutal ao longo de três anos. Desta vez o mundo está aplicando as lições extraídas daquele evento por John Maynard Keynes e Milton Friedman, dos dois economistas mais influentes do século 20. As políticas de resposta sugerem que o desastre não se repetirá.
Os professores Eichengreen e O'Rourke descrevem este contraste. Durante a Grande Depressão, a taxa de desconto média das sete principais economias nunca caiu abaixo de 3%.
Hoje, ela está próxima de zero. Até mesmo o Banco Central Europeu, o mais linha-dura dos grandes bancos centrais, reduziu sua taxa para 1%. De novo, durante a Grande Depressão, a oferta de dinheiro sofreu um colapso. Mas desta vez ela continuou crescendo.
De fato, a combinação de um forte crescimento monetário com profunda recessão coloca em dúvida a explicação monetarista para a Grande Depressão. Finalmente, a política fiscal está muito mais agressiva desta vez.
No início dos anos 30, o déficit médio dos 24 países significativos permaneceu abaixo de 4% do produto interno bruto. Hoje, os déficits serão muito maiores. Nos Estados Unidos, o déficit geral do governo deverá ser de quase 14% do PIB.
Tudo isso é consistente com as conclusões de um estudo já clássico de Carmen Reinhart, da Universidade de Maryland, e de Kenneth Rogoff, de Harvard.** As crises financeiras causam profundas crises econômicas.
O impacto de uma crise financeira global deve ser particularmente severo. Além disso, "o valor real da dívida do governo tende a explodir, aumentando em média 86% nos grandes episódios pós-Segunda Guerra Mundial".
O principal motivo não são os "resgates" aos bancos mas sim as recessões. Após o fato, o empréstimo privado descontrolado se transforma em gastos públicos e montanhas de dívidas. Os governos com crédito não aceitarão a alternativa de uma grande recessão.
A questão é se o atual estímulo sem precedente compensará o efeito do colapso financeiro e o acúmulo sem precedente de dívida do setor privado nos Estados Unidos e em outros lugares. Se o primeiro vencer, nós veremos em breve um desvio positivo do caminho da Grande Depressão. Se o segundo vencer, não veremos. O que todo mundo espera está claro. Mas o que devemos esperar?
Nós estamos vendo uma corrida entre o reparo dos balancetes privados e o reequilíbrio global da demanda, de um lado, e a sustentabilidade do estímulo, do outro.
Uma demanda robusta do setor privado só retornará assim que os balancetes dos lares altamente endividados, das empresas com acúmulos de empréstimos e setores financeiros subcapitalizados forem reparados ou quando os países com altas reservas consumirem ou investirem mais. Nada disso provavelmente será rápido.
De fato, é muito mais provável que leve anos, dado os acúmulos extraordinários de dívida da última década. Ao longo dos últimos dois trimestres, por exemplo, os lares americanos pagaram apenas 3,1% de suas dívidas.
A desalavancagem é um processo demorado. Enquanto isso, o governo federal se tornou o único tomador de empréstimo significativo. De forma semelhante, o governo chinês pode expandir rapidamente o investimento. Mas é mais difícil elevar os níveis de consumo por meio de políticas.
A grande probabilidade é de que a economia mundial precisará de políticas monetárias e ficais agressivas por muito mais tempo do que muitos acreditam. Isso deixará nervosos os autores de políticas e os investidores.
Dois riscos opostos surgem. Um é o de que o estímulo seja retirado cedo demais, como aconteceu nos anos 30 e no Japão no final dos anos 90. Então ocorrerá uma recaída na recessão, porque o setor privado ainda é incapaz de, ou não está disposto a, gastar.
O outro risco é o de que o estímulo seja retirado tarde demais. Isso levaria a uma perda da confiança na estabilidade monetária, agravada pelas preocupações em torno da sustentabilidade da dívida pública, particularmente nos Estados Unidos, os fornecedores da moeda-chave mundial.
No limite, os altos preços em dólar dos commodities e o aumento das taxas de juros de longo prazo sobre os títulos do governo podem colocar os Estados Unidos -e as economias mundiais- em uma estagflação maligna. Diferente de alguns alarmistas, eu não vejo sinais desse pânico no momento. Mas poderia acontecer.
No ano passado a economia mundial entrou em recessão. As políticas de resposta foram imensas. Mas aqueles que estão certos de que estamos no início de uma robusta recuperação liderada pelo setor privado quase certamente estão iludidos. A corrida para a recuperação plena provavelmente será longa, difícil e incerta.
*"Um Conto de Duas Depressões", junho de 2009, www.voxeu.org
** "O Pós Crises Financeiras", estudo 14656, www.nber.org
Fonte - UOL
Nota DDP: Outras nuances passíveis de serem verificadas:
- Crise sistémica global: O choque acumulado das três "ondas monstruosas" do Verão de 2009
- ''Parou de piorar. Mas a crise não acabou''
[Colaboração - Marcos Correia]