terça-feira, 8 de abril de 2008

Um pontificado em afirmação


Papa tem convicções fortes e um plano de acção bem delimitado, para (re)afirmar a Igreja no mundo

Desde que foi eleito como Papa, no dia 19 de Abril de 2005, Bento XVI tem estado permanentemente debaixo das luzes da ribalta, um papel para o qual não parecia destinado à partida. Depois do desconforto e da desconfiança iniciais, o mundo vai-se habituando à sua figura e, sobretudo, à sua forma de transmitir as convicções mais profundas do Cristianismo, nos dias de hoje.

Consolidados alguns dos princípios que vão marcar a sua actuação, percebe-se que só na aparência se está na presença de um pontificado invisível ou de travagem, como se chegou a afirmar no início de 2007, desvanecido que estava algum encantamento perante a figura do novo Papa.
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Alguns temas dominam as intervenções do Papa, da Cúria Romana (com destaque para o Secretário de Estado do Vaticano, seja em audiências, seja em viagens ao estrangeiro, como aconteceu recentemente em Cuba) e as movimentações da sua equipa diplomática, que tem vindo a renovar em vários pontos-chave do globo.
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Bento XVI desafia constantemente os fiéis a darem testemunho das suas convicções, razões da esperança a que dedicou a sua segunda encíclica e não concebe um catolicismo de pura intimidade, que não fala de si aos outros por receio de os ofender ou intimidar.

Ao longo deste tempo, o Papa tem tentado estabelecer uma nova estratégia para a Igreja, que ultrapassa, em muito, a esfera meramente administrativa. A badalada “reforma” da Cúria Romana tem sido feita passo a passo, de forma discreta e até as escolhas dos Consistórios mostram a intenção de aproximar o Vaticano das regiões periféricas, onde o catolicismo está em crescimento acentuado, contrariando a tendência da Europa, historicamente o coração da Igreja.
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Considerado por muitos como um Papa “europeísta”, Joseph Ratzinger aprendeu a fazer do mundo a sua casa... Praticamente todas as crises internacionais já mereceram, por parte de Bento XVI, um apelo em favor da paz, da reconciliação e do diálogo.

Também relevantes são as suas intervenções, coadjuvadas pelas dos seus mais directos colaboradores e representantes em organismos internacionais, a respeito de temas particularmente em voga, como o aquecimento global ou a defesa do ambiente. As preocupações ecológicas chegaram em força ao Vaticano, seja em palavras, seja em actos, dando força à ideia de que estamos na presença de um “imperativo moral” para todos os que se preocupam com o futuro da humanidade.
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Três anos depois da sua eleição, Bento XVI já não tem segredos para os seus e vai-se afirmando, de forma clara, como um Papa de convicções fortes e com um plano de acção bem delimitado, para (re)afirmar a Igreja no mundo.

Cativar o Islão
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Dissociar violência e religião tem sido o principal objectivo do Papa, se bem que isso não tenha sido o ponto central de muitos olhares sobre as suas intervenções.
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O Papa deixou claro, desde muito cedo, qual era o caminho que queria percorrer, nunca se coibindo de condenar a violência em nome de Deus e da Religião, sem deixar abrir caminho para um diálogo “franco e sincero”, entre culturas e religiões, que tem como condição fundamental o debate aberto daquilo que une e, também, daquilo que distingue, para se poder reconhecer totalmente o interlocutor. Ameaças e acusações de pessoas como Bin Laden ou grupos fundamentalistas não podem fazer o Papa recuar: eles não procuram o diálogo, mas uma qualquer justificação para a sua “guerra santa” contra os “infiéis” e os “cruzados”.
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Três anos depois da sua eleição, Bento XVI é frequentemente avaliado pelos seus gestos e palavras entre a admiração e o desencanto, mas não abdica do rumo traçado nem atraiçoa as suas convicções. A eleição do Cardeal Joseph Ratzinger como sucessor de João Paulo II foi recebida, no dia 19 de Abril de 2005, com uma boa dose de cepticismo em vários sectores da Igreja e da sociedade. A par de gestos de continuidade com o Papa polaco, muito apreciados, alguns episódios polémicos servem, sistematicamente, para alimentar os críticos. Como já referi noutras ocasiões, se aos 80 anos de João Paulo II muitos exigiam a sua renúncia, a Bento XVI exige-se uma viragem no pontificado, promovendo mudanças de fundo.

O actual Papa tem procurado, sobretudo, falar com clareza e de forma sistemática sobre as questões essenciais da fé (o Amor, a Esperança, Jesus de Nazaré). Este Papa, de facto, é menos decifrável para o mundo mediático de hoje: para além do carisma ligado ao lugar que ocupa, ele destaca-se por oferecer orientação num mundo perdido na “ditadura do relativismo” que tanto condena, apresentando um programa coerente e uma capacidade intelectual acima de qualquer suspeita. Estes ingredientes não bastam, ainda assim, para fazer dele uma figura apetecível.

Joseph Ratzinger não foi eleito pelos Cardeais da Igreja Católica para ser líder de audiências ou ganhar pontos em sondagens de popularidade. Bento XVI não é, nem pode ser confundido com um líder político, mas é alguém capaz de regularizar relações com Moscovo e Pequim ou de confirmar-se na liderança do diálogo ecuménico.

É, contudo, o regresso aos origens, ao que é essencial no Cristianismo, que marca, por certo, estes primeiros dois anos de pontificado e não é possível vislumbrar, por enquanto, qualquer motivo que leve a acreditar que o Papa se afastará do rumo traçado até ao momento.
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